Sentir atração por um colega de trabalho é um fenômeno bastante frequente nos ambientes profissionais, independentemente de sua natureza: estabelecimentos comerciais, universidades, escritórios, indústrias, hospitais, serviço público. Não por outro motivo, qualquer pessoa, se questionada, certamente vai se lembrar de um casal que se formou assim, a partir de uma troca de olhares mais interessada no horário do expediente. Mas... e quando a relação entre dois funcionários de uma mesma empresa não necessariamente envolve a expectativa de estabelecer um compromisso, ou seja, para ambos, o desejo pode se satisfazer com uma transa ocasional, e pronto? Duas pessoas teoricamente maduras, bem-resolvidas, que sentem atração uma pela outra, mas que não querem se envolver mais seriamente. 

Até aí, tudo muito bom, tudo muito bem, não fosse o fator imponderável. No calor da hora, os dois concordam em não se comprometer emocionalmente. Mas como, claro, não dominamos nossos sentimentos, uma das partes pode, com o tempo, de fato se apaixonar pela outra. E com chance de não ser correspondida! Neste caso, é bem possível que essa pessoa saia machucada, tendo ainda o ônus de ser obrigada a se esbarrar com o outro – que, voluntariamente ou não, a magoou – todo dia. O que fazer, então, para não se meter em uma situação desfavorável, que pode ser traumática? 

Antes de adentrar o assunto propriamente dito, a sexóloga Allys Armanelli Terayama lembra um antigo ditado, que diz: “Coração é terra onde ninguém pisa!”. “Fazer um trato consigo mesmo (de não se apaixonar, por exemplo) envolve um domínio emocionalmente grande, bem maior que o estímulo sexual e fisiológico ao qual o seu corpo corresponde”, ressalta ela, acrescentando que desejos, vontades e autodomínio ainda são instâncias cujo controle é difícil aos seres humanos, “movidos por impulso e hormônios”. A pergunta que ela, que também é terapeuta acupunturista e hipnóloga, coloca a essa pessoa é: “Você está pronto para esse desafio (ficar com alguém e se relacionar sexualmente apenas por prazer)?” 

Allys aponta variantes que devem ser analisadas com atenção. Uma delas é a de uma das partes envolvidas no trato estar emocionalmente fragilizada. “O momento de carência e confusão emocional deixa a pessoa mais exposta e reduz a capacidade de análise crítica das próprias emoções”, alerta. No passado, a jornalista Margareth (nome fictício a pedido da entrevistada) se envolveu com um colega de redação em um estado assim, de vulnerabilidade emocional. “De fato, ele deixou claro que não estabeleceríamos um compromisso, mas, ingenuamente, apostei na possibilidade de que, com o tempo, viesse a se envolver comigo”. Debalde.

“Ainda em meio às nossas saídas, ele acabou se apaixonando por uma colega de um intercâmbio com tal intensidade que, em pouquíssimo tempo, ouvi comentários, de corredor, de que iria se casar. Ele sequer teve a ombridade de se aproximar de mim e contar, e, pior, ainda tive que arrumar desculpa para não entrar na vaquinha do presente coletivo da redação”. 

Outro sinal vermelho: quando existe uma hierarquia direta entre os envolvidos. “Nesse caso, pode ser que o envolvimento tenha consequências sérias em compliance”, situa Allys. David Braga, CEO da Prime Talent, emenda: “O funcionário corre o risco de ter sua imagem associada a uma pessoa que está ganhando privilégios com o seu líder por estar se relacionando sexualmente, por exemplo”. 

Uma situação ainda mais intrincada se coloca quando uma das partes é casada. “Esquecemos o quanto essa relação se torna perigosa quando uma das partes está em um matrimônio”, pondera Allys. Por essas e outras, a sexóloga avalia que manter esse tipo de relacionamento é correr risco todos os dias, para ambas partes. “Cabe a cada um analisar não só o que ganha, mas também o que perde. Se não há grandes riscos, pode ser interessante ativar novas experiências e se permitir viver a química”, aventa. 

Riscos à vista

O termo compliance, citado por Allys, diz muito da relação do funcionário com as regras de conduta estabelecidas na empresa na qual ele trabalha. Nos tempos atuais, são muitas as empresas que têm um departamento de compliance aberto a empregados que, incomodados com alguma situação que estão passando ou observando, têm ali um local supostamente seguro para desabafar. Recentemente, foi parar na imprensa o caso de algumas atrizes e apresentadoras da Globo que procuraram o setor de compliance da emissora para relatar casos de assédio, como Dani Calabresa. 

O CEO David Braga diz ser importante lembrar que atuando no ambiente corporativo, sempre seremos observados pelo nosso líder, pares e liderados. "Logo, é preciso a atenção em relação a qual marca temos deixado naqueles que podem impactar positivamente ou não, em nossa carreira, quanto a um referenciamento". E prossegue: "Já é sabido que não é apropriado que as pessoas se relacionem de forma íntima atuando na mesma empresa. Muitas companhias inclusive possuem diretrizes e políticas de não ter cônjuges por exemplo, no mesmo departamento. Algumas delas, inclusive na mesma organização".

Ele adverte que é preciso lembrar que os funcionários são pagos para entregar resultados cada vez mais exponenciais dentro das organizações. “Envolver-se sexualmente com um colega de trabalho, líder ou liderado, é acender o fósforo para uma grande fogueira, na qual a sua carreira pode virar cinzas, uma vez que tal prática, ao se tornar conhecida de outras pessoas, afetará o seu maior patrimônio: sua credibilidade”. 

Allys enfatiza que o ambiente corporativo possui regras internas, habitualmente especificadas no momento da contratação. Mas ressalva: “Não se escolhe gostar ou não de alguém. Se no sexo você cria química com aquela pessoa, então criou-se um vínculo sexual. Se aconteceu no ambiente de trabalho, o mais certo a se fazer é manter as aparências com o mínimo de exposição possível”, diz, lembrando que não se pode viver um relacionamento afetivo dentro do ambiente de trabalho lidando com carga horária a cumprir, demandas e reuniões. “Algumas pessoas lidam bem com essa situação, mantendo o profissionalismo dentro do ambiente e mantendo o vínculo afetivo fora. De toda forma, vale seguir algumas dicas, como evitar olhares diretos, que podem chamar a atenção dos demais. Se o joguinho da conquista faz bem ao ego da pessoa, melhor brincar com mensagens criativas e instigantes. Enfim, cabe observar até que ponto a pessoa está disposta a correr o risco de se expor. Mas, se for brincar por mais tempo, uma hora vai ter que descer para o play”.

David Braga é mais incisivo: "Se você começou a se relacionar com alguém do trabalho e está evoluindo, a recomendação é que imediatamente um dos dois peça demissão, resguardando, assim, possíveis discussões futuras, afinal, esse é um tema delicado, que pode trazer grandes prejuízos de imagem. O que acontece fora da empresa não é pertinente à companhia, mas sabemos que se você se relaciona sexualmente com alguém usualmente, não há como dissociar profissional e pessoal, logo, a chance de misturar estas questões e de isso afetar a performance, é enorme".

À luz da psicanálise

Psicanalista e cofundador do Instituto Somata, Felipe Chaves lembra que o sexo é, e sempre. será um tabu tanto na vida familiar quanto no trabalho. "A razão disso é que os impulsos sexuais, por fazerem referência ao nosso estado de natureza, estão na contramão do estado de cultura. A partir daí, a sociedade passa a reprimir e repudiar os instintos naturais através de leis morais artificiais", coloca. 

Quando o sexo tange a vida profissional, prossegue Felipe Chaves, o moralismo com o qual o assunto é encarado fica ainda mais intenso, pois, prossegue, além das regras morais, há também os regimentos sociais de trabalho. "De acordo com a teoria psicanalítica, nós não escolhemos de fato as pessoas com as quais nos relacionamos, mas somos fascinados por suas características. Isso significa que as relações sociais e sexuais são vias de duas mãos, porque se por um lado podem satisfazer pulsões naturais, por outro podem alimentar neuroses emocionais sociais, além de instigar a pressão inibidora do meio que julgará o indivíduo".

Diante disso, a forma mais sensata de se proteger é, segundo ele, recorrer cotidianamente a uma autoanálise. "Quando conhecemos a nossa própria história, somos capazes de perceber que as características que nos atraem são fragmentos mnêmicos das relações com nossos cuidadores. São reações ao meio desenvolvidas ainda na infância. Neste sentido, o sexo com colega de trabalho pode atender parcialmente às nossas pulsões libidinais, porém, poderá, ao mesmo tempo, alimentar defesas neuróticas de afeto que já tenhamos constituídas e instigar a execução moralista do mesmo".

Para a psicanálise, acrescenta Felipe Chaves, o que diferencia uma relação sexual relativamente saudável de uma relação sexual neurótica é o contexto que a inicia. "Quando levamos a cabo a execução do desejo para saciar ansiedades, estamos intensificando cada vez mais nossas neuroses e, como consequência, adoecemos. No entanto, quando nos conhecemos, nos aproximamos de nosso 'eu real' e aprendemos a diferenciar desejos pulsionais reais daqueles que a própria sociedade instigou (para depois reprimir). As relações que se iniciam como uma manifestação espontânea (e não neurótica), não tendem a adoecer, mas pelo contrário: são capazes de aliviar mazelas", conclui