Uma medida provisória (MP) publicada na véspera de Natal pela Presidência da República, em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), estabelece que a palavra final sobre a nomeação de reitores em universidades federais será do presidente Jair Bolsonaro. Ele poderá não acatar o nome vencedor da lista de candidatos apresentada pelas instituições.
Tradicionalmente, o reitor é escolhido por professores, outros servidores e estudantes das universidades em votação de uma lista de três nomes. A opção mais votada costuma ser sancionada pelo presidente para mandato de quatro anos. A MP 914, no entanto, fixa a regra de que o presidente poderá, a seu critério, escolher qualquer um dos três nomes que compuserem a lista indicada pela universidade. A regra também vale para institutos federais de ensino.
Para Unaí Tupinambás, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH), medida mina a autonomia das universidades federais, prevista na Constituição. “É como se fosse uma ditadura em que a gente não poderia escolher nosso ‘presidente’”, diz.
Ele afirma que a APUBH vai se organizar no início do próximo ano contra a decisão, repetindo mobilizações como as que contestaram os cortes do Orçamento para Educação neste ano.
O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), João Carlos Salles, aponta que as universidades não foram consultadas: "Ficamos logo surpresos que uma decisão de tal ordem, que afeta a escolha dos nossos dirigentes, seja apresentada através de uma medida provisória e não de um projeto de lei, com o que se restringe competência do Congresso Nacional", disse ele, reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Outras mudanças
De acordo com comunicado oficial da Presidência, o objetivo da MP é regularizar o processo de escolha de dirigentes nas instituições, que até então não era obrigatório. “(Isso) parece estar trazendo problemas, devido a realização de consultas informais que não seguem parâmetros claros e, em alguns casos, parecem dirigidas a manter no poder grupo determinado”, elabora o comunicado.
A medida é válida por 120 dias, até aprovação parlamentar, e tem chance de ser derrubada pelo Congresso ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não seria a primeira vez que isso acontece com uma MP de Bolsonaro — o STF suspendeu o fim do DPVAT e uma medida que dispensava a publicação de editais de licitação e leilões em jornais, por exemplo.
Professores não poderão mais votar para diretor das escolas
A seleção de vice-reitor e de diretores de unidades das instituições também passa por mudanças. Agora, todos esses cargos serão escolhidos diretamente pelos reitores — na UFMG, por exemplo, hoje é a comunidade acadêmica que escolhe os nomes, por votação.
A MP define ainda o peso de cada grupo de votantes nas eleições: o voto, que é facultativo, será dado pelos servidores efetivos do corpo docente de cada instituição, que terão peso de 70% na escolha dos nomes. Servidores efetivos técnico-administrativos terão peso de 15%. Os alunos também terão peso de 15%. Até então, algumas universidades adotavam voto paritário, em que todos os grupos têm igual peso na decisão.
Presidente já tem nomeado “perdedores”
O presidente Jair Bolsonaro já tem ignorado nomes vitoriosos de listas tríplices apresentadas por universidades, sob críticas da comunidade acadêmica. Em agosto, ele nomeou o terceiro colocado para reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Na votação, o professor de Direito e advogado criminalista Cândido Albuquerque, de 62 anos, obteve 610 votos (4,61% do total de votantes), enquanto o primeiro colocado obteve 7.772 votos.
No mesmo mês, Bolsonaro também nomeou o terceiro nome da lista tríplice da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), o professor Janir Alves Soares. Antes, o presidente já havia nomeado o segundo e terceiro colocados, respectivamente, para as federais do Triângulo Mineiro (UFTM) e do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Apesar de a escolha do reitor ser prerrogativa do presidente, a nomeação de candidato menos votado rompe a tradição mantida desde 2003, na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
*Com agências