A disseminação do ódio e da intolerância religiosa ou ideológica, com mensagens de antirradicação, não é uma realidade apenas de países estrangeiros. No Brasil, grupos homofóbicos, xenofóbicos e racistas também assustam, principalmente pelo poder de difusão que ganham com a ampla divulgação em redes sociais.
Combater a propagação dessas correntes, que surgem pelo WhatsApp ou pelo Facebook, foi a missão que inspirou uma brasileira a criar o projeto Words Heal the World (“palavras curam o mundo”), que em breve se tornará uma ONG.
Quando visitou Israel, em 2015, para conhecer mais sobre os conflitos do Oriente Médio, a jornalista Beatriz Buarque, 32, ficou impressionada. “Fiquei muito chocada com o modo com que os terroristas, os jihadistas, desenvolviam propaganda de alta qualidade, usando técnicas de videogame e equipamentos típicos de profissionais de comunicação. E voltei para o Brasil com isso na cabeça”, conta a fundadora do Words Heal the World.
Os jovens, segundo Beatriz, são os mais visados por recrutadores de grupos extremistas. E, por esse motivo, são eles que tentam desconstruir esse discurso de ódio divulgado pelas redes sociais dentro do projeto. Num primeiro momento, após ouvir relato de mães que perderam filhos influenciados por essas mensagens, Beatriz logo pensou em criar um site para dar voz a outras iniciativas, já existentes, que combatiam a disseminação dessas ideias. Dois anos depois, o projeto foi aceito pela Universidade de Westminster, no Reino Unido, além de ganhar um curso de extensão na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, o projeto abarca 22 entidades, sendo três brasileiras.
“Os alunos, tanto do Reino Unido quanto do Brasil, escrevem matérias, produzem campanhas de redes sociais, fazem transmissões ao vivo pelo Facebook. Um aluno da Somália, recentemente, fez um vídeo ao vivo desconstruindo o mito de que o islamismo prega violência. Essa foi uma live muito poderosa, porque ele usou versos do Alcorão para provar que o islã não prega suicídio nem a guerra”, explica.
Agora, a missão da brasileira é fomentar eventos, com representantes de religiões, como islamismo e afrobrasileiras, para desconstruir os mitos incitados pelo ódio. Além disso, a intenção é transformar o projeto em uma ONG, para captar recursos para ampliar o alcance das mensagens. “Com essas ações, as pessoas podem desconstruir mitos e serem capazes de transmitir mensagens de paz e disseminá-las pela internet”, finaliza.
Acesse
Online. O projeto de Beatriz Buarque pode ser acessado wordshealtheworld.com. Lá há uma série de artigos e ações feitas pelos estudantes no combate ao ódio difundido pela internet.
Quando as fake news matam
As fake news podem matar. Na última semana, a polícia indiana prendeu dez pessoas por suposto envolvimento no linchamento até a morte de um homem acusado de sequestrar crianças, em um novo caso de agressão motivado pela difusão de falsos rumores. O fenômeno forçou os gestores das mais populares redes sociais a buscarem soluções para tentar frear a disseminação delas pela internet.
O Facebook, que é dono do aplicativo do WhasApp, já anunciou a restrição do número de vezes que os usuários podem encaminhar uma mensagem na Índia. O país, segundo a companhia, é campeão no encaminhamento de mensagens, fotos e vídeos, e o WhatsApp vai testar um limite de cinco conversas de uma vez e retirar o botão de encaminhamento próximo às mensagens de mídia.
“Nós acreditamos que essas mudanças, que vão continuar a evoluir, ajudarão o WhatsApp na forma como ele foi projetado para ser: um aplicativo de mensagens privadas”, disse a empresa.
Segundo especialista na área, as notícias ganham repercussão nas redes sociais quando causam identificação “As fake news circulam, de maneira geral, porque as pessoas reproduzem aquilo em que elas acreditam, lidando com uma serie de censos comuns. Essas mensagens são pensadas e pré- concebidas para que as pessoas se identifiquem com essas mensagens”, explica o professor de monitoramento de mídias sociais da Fumec Hugo Teixeira.
Segundo estudo recente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, as fake news se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras e alcançam muito mais gente. Cada postagem verdadeira atinge, em média, mil pessoas, enquanto as falsas mais populares – que estão entre o 1% mais replicado – atingem de mil a 100 mil pessoas.
Relembre
Brasil. A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, 33, foi espancada até a morte em maio de 2014 por moradores de Guarujá, onde morava. Fabiane foi acusada de praticar magia negra com crianças após uma notícia falsa espalhada pelas redes sociais. O boato gerado em uma página no Facebook e um retrato falado da dona de casa rapidamente se espalharam pelas redes, juntamente com histórias falsas e relatos mentirosos de quem afirmava ter testemunhado os sequestros. Somente cinco pessoas foram identificados e condenadas pelo assassinato.
Índia. Kalu Ram Bachanram, 26, foi linchado por 14 pessoas após divulgação de um vídeo pelas redes sociais em que foi considerado suspeito de ser um dos sequestradores de uma criança que brincava com os amigos em uma rua da cidade de Bangalore, no sul da Índia. O vídeo era uma campanha veiculada no Paquistão, alertando para a segurança dos menores nas ruas.
Proposta
“Trabalhar pela paz requer resiliência, esforço e criatividade. Os grupos extremistas têm gente lá o dia inteiro pensando nas mensagens de ódio. Então, se eles podem incitar esse conteúdo, nós também podemos iniciar uma corrente de paz, com criatividade, nas redes sociais, com os jovens, porque eles são os grandes alvos desses grupos.”
Beatriz Buarque
Fundadora do Words Heal the World