“Tem gente que acha que a melhor estratégia para se segurar alguém que parece estar se afastando de nós é através do sentimento de posse. Essas pessoas pensam: ‘Ah, se você está se afastando de mim, então o que vou fazer é jogar seu telefone fora, te prender e te impedir de sair de casa’. Obviamente, essas atitudes vão ter o efeito contrário. Como somos criaturas sempre em busca de conexão, a única coisa que garante a estabilidade de um casal é a honestidade mútua, a aceitação e o conhecimento”.
Essa definição, do filósofo suíço Alain de Botton – criador da School of Life (Escola da Vida), centro de estudos que reflete sobre temas como amor e amizade –, sintetiza bem um dos principais agentes que assolam os relacionamentos humanos: o ciúme.
Há anos estudiosos buscam entender um pouco mais a respeito dessa emoção aversiva tão indicativa das nossas inseguranças, mas nunca chegam a uma hipótese plausível.
E a dúvida persiste: por que sofremos tanto assim com o ciúme?
“Padecemos com o ciúme porque ele é uma emoção dimensional, que traz junto consigo outras emoções negativas, como o medo, a ansiedade, a raiva e a tristeza”, explica Renata Moreira, psicóloga especialista em casais e famílias e mestre em cognição e comportamento pela UFMG.
Ela diz que esse sentimento, irmão gêmeo do amor, tem o poder de muitas vezes quebrar um ciclo de desenvolvimento natural e nos deixar paralisados em uma mesma história – a qual, na maioria das vezes, existe somente dentro de nossas cabeças.
“O medo de perder quem amamos é a base que nos mantém conectados uns aos outros. O problema é a forma como lidamos com ele no nosso dia a dia. É importante encontrarmos um equilíbrio para não gerarmos um sofrimento desnecessário nas nossas relações”, avalia.
Segundo a psicóloga Cláudia Maria Bomans, o ciúme surge como um sinal de alerta quando achamos que algo não está bem ou indo como esperávamos.
“Na verdade, ele é um indício de insegurança e se manifesta como um desejo absoluto de controlar o outro”, esclarece, acrescentando ainda que, ao contrário do que se prega na sociedade, o ciúme não é um sinal de amor.
“Amar não tem nada a ver com possessividade. Pessoas que sofrem de ciúme excessivo só causam dano em suas relações pessoais e amorosas. É preciso investigar as causas desses comportamentos para derrotar esses impulsos”, sugere.
Portanto, o maior perigo do ciúme – principalmente no que se refere ao seu excesso – é que, além de corroer nossas relações, ele enfraquece nossa autoestima, destaca a psicóloga Juliana de Oliveira Rosa.
“Uma pessoa insegura tem a crença de que é incapaz de realizar atividades satisfatórias e manter relacionamentos saudáveis. Ela não acredita no seu potencial, nas suas características e nos seus pontos positivos, atraindo inúmeros prejuízos para sua vida afetiva”, indica.
Juliana destaca que, no geral, o medo é uma emoção natural e sua função principal é nos proteger. "O risco é quando ele se torna disfuncional. Aí vira uma ansiedade patológicapode e pode trazer muitos danos para nossas vidas”, alerta.
O lado bom do ciúme
Diante disso tudo, é possível que exista um lado bom no ciúme? Alguns especialistas afirmam que sim.
“O ciúme é uma emoção que visa à proteção e preservação da espécie”, enfatiza a psicóloga Renata Borja, mestre em relações interculturais e especialista em terapia cognitivo-comportamental.
“Ele é uma emoção competitiva que tem como foco criar estratégias para conservar a conexão entre as pessoas. Se usado de forma assertiva, pode ajudar a perceber uma ameaça a tempo de se criar táticas que promovam a reconexão e a reconquista”, completa.
A psicóloga Renata Moreira concorda e diz que o ciúme é essencialmente um fenômeno que faz parte da nossa evolução como espécie.
“A grande visão de Darwin nos ajudou a perceber que nossa história é toda baseada numa luta pela sobrevivência, o que envolve uma dinâmica de competição intensa, que pode acontecer entre grupos distintos, como irmãos, colegas e pretendentes sexuais. A partir desse ponto de vista, o ciúme nada mais é do que uma estratégia evolutiva, uma emoção que nos acompanha para nos defender em ambientes e situações hostis”, explica.
Para Moreira, o segredo é descobrir como controlar essa sensação potente e todos os seus efeitos.
“Saber que o nosso ciúme tem uma razão na nossa evolução não justifica a raiva, a suspeita e a retaliação daqueles que estarão envolvidos nessa emoção. A verdade é que podemos, sim, nos motivar pelos temores e ansiedades que nos rodeiam", pondera.
"O importante é encontrarmos uma maneira de utilizarmos o ciúme para que ele seja sempre uma solução benéfica, e não um instrumento de destruição”, sintetiza.
Confira abaixo algumas dicas da psicóloga Renata Borja sobre como lidar com o medo da perda e o ciúme no seu dia a dia:
1 - Identifique as situações e gatilhos que ativam o seu ciúme e se prepare para enfrentá-los de forma mais adaptativa quando eles acontecerem.
2 - Lembre-se de que você pode sentir ciúme e que ciúme é uma emoção natural. Seja autocompassivo. Não brigue com a sua emoção. Acolha a sua emoção, sem cobranças e sem culpa.
3 - Questione a validade do seu pensamento. Não permita que ele destrua seus planos, metas e propósitos. Não é porque você pensa que pode ser traído que isso vai acontecer. E, mesmo que você algum dia venha a ser traído, o seu ciúme não evitará que isso aconteça, pelo contrário, pode até mesmo contribuir para a perda de afeto ou de interesse pelo seu parceiro.
4 - Busque comportar-se de forma construtiva. O ciúme é uma emoção que vem carregada de raiva, mas isso não significa que você tenha que se preocupar, brigar, cobrar, questionar (interrogar), perseguir, espionar, agredir ou controlar ninguém. Lembre-se de que esses comportamentos em geral só contribuirão para que você se afaste da pessoa alvo do seu ciúme. Troque esses comportamentos destrutivos por cuidado, atenção, generosidade, carinho e gentileza.
5 - Viva o seu momento presente da melhor forma que puder. Medite, faça mindfulness ou simplesmente valorize as pequenas coisas do seu cotidiano, como uma caminhada ao ar livre, um sorvete, um pôr do sol e todas as pequenas coisas do seu dia.