O escritor carioca Antoine Abed utiliza-se da boa e velha filosofia para descrever a sociedade atual e desenvolve uma teoria sobre como viver com menos sofrimento. Em sua obra, Abed faz uma provocação: "A felicidade é inútil porque, depois dela, não se consegue nada".
Leia a seguir a entrevista com o escritor, empreendedor, filósofo e
presidente-fundador do Instituto Dignidade.
O TEMPO - O que te motivou a escrever o livro "Ensaio sobre a Crise da Felicidade"?
Antoine Abed - A motivação para escrever o livro “Ensaio Sobre a Crise da Felicidade” foi perceber que muitas pessoas, próximas ou não, se confundiam quando falavam sobre esse tema. Acredito que, para se chegar à felicidade, é necessário que o indivíduo reflita sobre o que realmente é importante, de acordo com os seus valores, para, assim, conseguir se conhecer. E, ao se conhecer melhor, fica mais fácil saber onde encontrar a felicidade ou a tristeza.
É fácil se perder nessa busca?
Por falta de tempo ou ignorância, milhares de pessoas não investem energia suficiente para pensar sobre isso (reflexão individual), vivem uma vida automática e, quando percebem que estão no caminho errado, tentam comprar felicidade nas farmácias ou vitrines dos shoppings. Acredito que a busca pela felicidade é individual e não deve ser comparada ou perseguida de maneira semelhante à de outras pessoas. O que serviu para um, não necessariamente servirá para você.
No livro, você faz uma provocação sobre a utilidade da felicidade. As pessoas têm uma ideia errada sobre esse valor?
Nesse capítulo digo que a felicidade é perfeitamente inútil. Ela não serve de fundamento ou ferramenta para se alcançar nada além dela mesma. Todo o valor da felicidade está nela mesma. Nenhum homem busca a felicidade objetivando outra coisa. A felicidade é o valor dos valores, tudo está a serviço da felicidade. Sendo assim, ela é o fim de tudo. Esse capítulo mexe muito com as pessoas porque bate de frente com o senso comum de pensar a vida. A primeira pessoa que ouvi falar sobre isso foi meu professor Clovis de Barros, e achei importante compartilhar esse pensamento. Quero mostrar ali que o fim de tudo está na felicidade. Vivemos para atingir a “potência de agir” o máximo de vezes que pudermos conseguir. A felicidade é inútil porque, depois dela, não se consegue nada. Você já se perguntou por que quer ser feliz? Essa pergunta obviamente não tem resposta, pois não fundamenta nada além dela mesma. A vida baseada em coisas que o valor está fora dela é um tanto preocupante, pois sempre se estará buscando algo que nunca chega/acaba. Uma coisa fundamenta outra e, quando nos damos conta, a vida passou, e continuamos tentando alcançar algo que não nos alegra. Talvez devêssemos buscar coisas ou pessoas cujo valor esteja neles mesmos, e não fundamentando algo posterior.
O que é felicidade para você?
Felicidade é aquele instante que você quer que nunca acabe. É o sentido da vida. É onde acontece o encaixe perfeito entre você e a sua existência. Nenhuma outra sensação pode ser comparada quando alguém está realmente feliz. Espinosa fala em “potência de agir”, e eu adoro esse termo.
O que você chama de “crise da felicidade”?
A crise de que falo é justamente esse descolamento do homem de saber o que importa na vida. Quando não temos certeza de quem somos do que é realmente importante, acabamos optando por decisões erradas e infelizes. A crise tem a ver com a maneira como o homem moderno está vivendo atualmente. No livro, tento explicar, por meio dos pensamentos do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, como o homem moderno está confuso e não sabe mais lidar com um mundo que ele mesmo criou. A teoria do Bauman ajuda a entender melhor o tempo presente: “A modernidade líquida é marcada por transformações amplas, como a fragmentação do indivíduo (antes, as identidades eram um tanto quanto homogêneas; agora, passam a possuir uma heterogeneidade enorme), enfraquecimento das instituições representativas (o partido ou o sindicato já não possui tanta influência nas decisões sociais) e o conjunto amplo de desregulamentação política, econômica e social”.
Como viver com menos sofrimento diante de tanto estímulo de consumo e cobranças?
Todos deveriam se fazer essa pergunta. A minha resposta passa pelo que acabamos de falar. O homem é uma máquina de aprender, e não é coerente que, em um determinado momento da vida, paremos de obter conhecimentos. Temos que nos desafiar todos os dias para conhecer o mundo que nos envolve. Ganhar experiências com o aprendizado diário é fundamental para se conhecer e, assim, saber o que lhe alegra ou entristece. Isso pode acontecer quando aprendemos uma língua, conversamos com pessoas que pensam diferente de nós e várias outras maneiras de se testar. Acredito que as pessoas que se conhecem verdadeiramente têm mais chances de se alegrarem, pois sabem o que é importante e o que não agrega felicidade.
Você acredita que a sociedade atual é mais ou menos feliz do que as de outras épocas?
Essa pergunta é muito difícil de responder, pois é certo que já tivemos outras crises de felicidade (no livro aponto para o pensamento de Epicuro como sendo um pensamento para a Grécia em crise), mas acredito que a diferença de agora é na proporção. Num mundo globalizado, onde estamos totalmente ligados, as crises se estendem por áreas muito maiores que outrora. Um bom exemplo é o que vivi no mês passado. Viajei a trabalho para Hong Kong e, conversando com amigos chineses, pude constatar que eles também estão sofrendo a mesma dor que muitos ocidentais. O interesse sobre o tema do livro foi grande, e, obviamente, aproveitei esse momento para conversar e ganhar mais experiências de vida, a fim de me conhecer melhor e aprender com pessoas que pensam diferente de mim.
Quando chega o fim do ano, as pessoas começam a refletir mais sobre os acontecimentos, metas realizadas ou não e projetos para o próximo ano. É comum se sentirem angustiadas e tristes por acharem que adiaram a felicidade, mais uma vez?
Isso acontece justamente porque vivemos de maneira automática. Geralmente estamos falando de indivíduos que vivem seis dias por semana entre casa e trabalho, sem tempo para fazer o que realmente importa, sem se experimentar e, assim, conhecer a si mesmo. Além disso, a frustração com o trabalho é comum, pois a maioria das pessoas não vê sentido no que faz, e isso impacta todas as áreas da vida. Quando nos damos conta de que mais um ano acaba de passar e não fizemos ou conquistamos coisas que são importantes, acabamos tristes. Reafirmo que, quando acumulamos experiências e nos conhecemos de verdade, acabamos adquirindo bagagem para focar o que é importante, e não ficar limitado ao que é urgente.