“Estou aceitando ela (a doença). Vai ser passageira, se Deus quiser. Peço proteção para Nossa Senhora Aparecida e para o Senhor Bom Jesus da Lapa de Jardinópolis. Eu tive um problema, mas nunca desanimei, sempre toquei a bola para frente”, diz, em tom de devoção, Pedro*, que foi motorista por 20 anos e estava em tratamento oncológico no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em São Paulo, quando conversou com a professora do curso de psicologia da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Joelma Ana Espíndula. O câncer, enfatiza ele, mudou sua vida. Mas em nenhum momento, garante, deixou de “ter Deus no coração”. “Rezo muito para Nossa Senhora me dar bastante saúde. Ela sempre me protegeu na estrada”, conclui.

Os recursos da fé e da oração, tão sensíveis nas palavras de Pedro, têm valor terapêutico e podem emprestar resiliência e um maior apego à vida, sendo suporte para pessoas em tratamento. É o que indicam estudos reunidos no livro “Psicologia Fenomenológica e Saúde: Teoria e Pesquisa”, publicado no ano passado e organizado por Joelma.

Acompanhando histórias de pacientes oncológicos há 23 anos, ela é categórica ao afirmar que religiosidade, espiritualidade e fé são manifestações comuns a espaços dedicados ao tratamento de doenças. Para a psicóloga, a oração, que é celebrada mundialmente no dia de hoje, é “um meio de suporte e sustento fundamental nos momentos de dor e sofrimento”.

Apoio

Em um grupo de apoio a mulheres com câncer em sua cidade natal, Governador Valadares, município mineiro localizado na região do Rio Doce, Joelma constatou como, para além do apoio de amigos e familiares, a religiosidade se revelou um meio para a expressão de dúvidas, de medo e de anseios. 

Além disso, “as falas daquelas mulheres demonstravam, com grande frequência, a fé em um ser superior, em Deus”, e estavam associadas a um sentimento de esperança de cura e de otimismo. A vocação para a fé era constatada tanto entre as pacientes cuja doença apresentava remissão quanto naquelas em que os tumores haviam recidivado.

Para a estudiosa, a emergência da espiritualidade proporciona às pessoas em tratamento de doenças crônicas ou graves uma sensação de apoio, de consolo e de paz – além de fornecer motivação para a superação de dificuldades a partir da busca e do entendimento de um sentido de vida, que vai além do reducionismo biológico. 

Assim, não surpreendeu o fato de pacientes ouvidos por Joelma em diversas ocasiões – para a produção tanto de sua dissertação de mestrado quanto para sua tese de doutorado – “buscarem a fé e a religião como meios para se apoiarem em uma força superior para um melhor enfrentamento da situação”.

Força da fé

Lembrando que um radicalismo nas manifestações de fé – quando, por exemplo, um paciente chega a abrir mão de recomendações médicas para obedecer preceitos religiosos – costuma ser prejudicial ao tratamento, a psicóloga Joelma Ana Espíndula entende “a oração também como um momento terapêutico, em que a pessoa consegue se apropriar da própria vida”.

Pesquisando desde 1997 a relação de pessoas em tratamento de doenças graves ou crônicas e a religiosidade, a estudiosa indica que profissionais da medicina não apenas respeitam como também reconhecem a efetividade da fé como suporte no processo de cura. “Em minha experiência, mesmo os médicos ateístas entendiam que a busca por espiritualidade se converte em uma força que ajuda na caminhada, que é essencial para o enfrentamento de doenças – até por oferecer uma perspectiva de sentido para a vida dessas pessoas”, garante.

*Nome fictício