Orgulhosamente “emocionada”. É assim que a artista independente Laís Arantes se define ao ser questionada sobre os tipos de relações que ela busca construir. E isso quer dizer que, com ela, não existe essa história de “freio de mão puxado”, de ir devagar e tateando. Pelo contrário. Ela se entrega e não tem medo de passar marchas enquanto acelera. “No meu último relacionamento, já no terceiro dia, eu quis dizer ‘Eu te amo’. Mas me segurei um pouquinho e só falei isso no 11º encontro”, comenta, rindo da situação. 

Laís conta que só mais recentemente teve consciência de que esse comportamento intenso era visto como um problema para algumas pessoas. “Eu sempre fui tachada como alguém que não esconde o que sente e, de fato, para mim é muito natural demonstrar meus sentimentos, sejam eles positivos ou negativos”, aponta. “Mas notei que demonstrar demais era visto como algo ruim e, por um tempo, tentei me encaixar nesse modelo pretensamente sóbrio, que só dá os sinais de afeto que são ‘suficientes’, seja lá o que isso quer dizer”, reflete.

A ideia de se adequar a esse padrão, contudo, não prosperou. “Com muita terapia e autoconhecimento, entendi que esse comportamento comedido demais não faz sentido para mim. Ora, se quero estar com alguém, por que preciso fingir que não quero tanto assim? Qual o sentido disso?”, provoca. “Eu entendo o amor como algo que permeia a nossa vida e que não precisa ser tolhido. Por isso, me envolvo muito e me entrego muito”, garante.  

E, de fato, como indica o relato de Laís, mesmo no contexto de um mundo cada vez mais acelerado, em que as conexões humanas ocorrem em alta velocidade, essa rapidez com que algumas pessoas passam do simples “oi” ao audacioso “te amo” gera estranhamento. Muitos, afinal, ficam sem entender a razão de algumas relações evoluírem tão depressa – e entender esse fenômeno não é mesmo tarefa fácil, como aponta a psicóloga clínica Tatiana Freitas Wandekoken. 

“Quando falamos de qualquer comportamento, especialmente no que tange às relações, precisamos ter em mente que não há um fator único que determina a maneira que agimos ou não agimos, pensamos e sentimos. Inúmeras variáveis, subjetivas e contextuais, atuam de maneira simultânea enquanto vivemos, sem que a gente perceba essa atuação”, determina Tatiana. Ela complementa informando que, de maneira individual, alguns aspectos que levam à rapidez na consolidação de uma relação podem estar associados a comportamentos como a impulsividade, a dificuldade em reconhecer os próprios valores e orientar as ações por eles, a dependência emocional, o histórico familiar de relacionamentos da mesma natureza, a dificuldade em reconhecer e nomear adequadamente os próprios sentimentos e as representações individuais sobre o amor e a paixão.  

Tatiana, além disso, destaca ser importante reconhecer também o papel do contexto em nossas crenças, valores e atitudes. “Por exemplo, nos relacionamentos entre pessoas LGBTQIA+, essa ‘intensidade’ chega a ser uma piada interna”, cita. “Infelizmente, essa população está mais suscetível a perder o suporte familiar por questões relacionadas ao preconceito e à intolerância. Muitas dessas pessoas são expulsas do próprio lar, e a constituição de uma nova família se faz urgente. Outro fator contextual importante é a nossa noção, enquanto sociedade, do que é o amor e do que é relacionar-se. Será que não colocamos a relação romântica como um dos grandes objetivos de vida, especialmente para mulheres? Será que a velocidade com a qual as pessoas se relacionam não está conectada com a velocidade absurda em que estamos vivendo e produzindo a vida nas últimas décadas?”, reflete. 

Há algo de errado em ser ‘emocionado’? 

Aludindo ao fato de que esse comportamento “emocionado” é, por vezes, visto como algo indesejável, quase como um sinal de que aquela pessoa tem alguma questão a ser enfrentada, como se houvesse algo de errado nesse processo, a psicóloga pondera ser muito complexo pensar em termos de “certo” e “errado” quando falamos de relações humanas. “O grande ponto é compreender que talvez as pessoas se comportem dessa maneira sob influência de aspectos, sejam subjetivos ou contextuais, que elas sequer reconhecem. Talvez essas decisões não sejam tomadas com base nos valores importantes para aquela pessoa”, avalia.  

“Gostamos de acreditar que gozamos de ‘livre-arbítrio’ e que todas nossas escolhas são feitas de maneira consciente, mas a verdade é que estamos todos, em grande parte das vezes, reproduzindo modelos de vida e realidade que aprendemos ao longo da vida. Modelos que vimos em casa, na televisão, nas revistas, no cinema, na arte, e por aí vai. Então acho que uma pergunta importante pode ser: estamos ensinando as pessoas a ter autonomia no pensar? As pessoas têm, verdadeiramente, autonomia para escolher?”, questiona. 

Ela lembra, porém, que exageros podem ser nocivos tanto para os indivíduos quanto para os relacionamentos. “Tendemos a associar a intensidade a um bom relacionamento, como se ela fosse a responsável por fazer a manutenção do prazer e do desejo sexual, por exemplo. Criamos a ideia de que um relacionamento estável, sem muitas oscilações de excitação – ora ‘te amo’, ora ‘te odeio’ – significa um relacionamento tedioso e sem emoção. Esquecemos que a construção de um amor saudável não atravessa, necessariamente, reações extremas – sejam elas positivas ou negativas – e que a paixão e a atração sexual são apenas alguns dos muitos fatores que devem ser considerados quando pensamos na qualidade de um relacionamento”, sinaliza. 

Por outro lado, “forçar o freio de mão” por medo de perder o controle da situação pode ser igualmente problemático, como indica a psicóloga e sexóloga Laís Ribeiro em entrevista a O TEMPO sobre a tendência de não rotular os relacionamentos. “Vivemos essa cultura de querer pessoas que não sejam ‘emocionadas’. E estamos em um contexto de muitas opções de escolha, de parcerias amorosas e de possibilidades de viver a sexualidade. Por conta disso, às vezes, é difícil para o sujeito se localizar em seu desejo e se implicar em relação ao que sente”, opina, citando que, hoje, percebe haver dificuldade dos indivíduos em nomear os afetos e as relações. “Uma saída diante dessa dificuldade é optar por não rotular aquele vínculo. Mas mesmo essa escolha diz algo”, sugere, destacando que essa opção, por vezes, indica um movimento de repressão dos próprios sentimentos.  

“E, provavelmente, essa retenção do afeto – que aparece na ideia de que ‘Não é hora para me apaixonar’, que ‘Não posso me envolver’, que ‘Não estou pronto’ e justificativas afins – vai aparecer no sujeito como angústia”, analisa, concluindo que o problema é que esse tipo de troca é empobrecedora, gera menos intimidade e faz com que as pessoas se sintam mais sozinhas. 

Desdobramentos 

Se, de um lado, a velocidade com que as pessoas desenvolvem sentimentos intensos em relacionamentos pode estar relacionada a diversas motivações, variando de pessoa para pessoa, de outro, as consequências dessa abordagem também vão variar de relação para relação. “É difícil categorizar de maneira estratificada, porque cada indivíduo vai experienciar esse relacionamento de maneira única, mesmo que seja um evento similar. E o que é bom para um pode ser horrível para outro”, comenta Tatiana Freitas Wandekoken.  

A psicóloga acrescenta que algumas pessoas podem acreditar que um investimento feito dessa maneira significa ter uma maior disponibilidade para o amor e que essa intensidade sinaliza que a conexão é verdadeiramente forte. Já outras pessoas podem acreditar que esses relacionamentos são mais suscetíveis a intercorrências e mais propensos a não se sustentar a longo prazo. “Os prós e os contras dependem dos seus valores, do que você deseja, do que é importante e inegociável para você. Daí a importância de um bom processo de autocrítica e autoconhecimento – de preferência com um profissional qualificado”, sustenta. 

A longo prazo, Tatiana avalia ser impossível projetar com exatidão qual será o destino de um relacionamento que evolui tão rapidamente – assim como seria impossível prever o desfecho das relações que se iniciam de qualquer outra maneira. “Tudo vai depender da forma que esse relacionamento se constitui ao longo do tempo. A conduta das pessoas envolvidas, a maneira com a qual estabelecem uma comunicação e atuam na construção desse vínculo são mais importantes do que necessariamente a maneira como esse relacionamento começou”, assinala.