Não é difícil que, em algum momento da vida, as pessoas se deparem com sentimentos que não podem ser explicados ou reconhecidos completamente. A situação, porém, muda de figura quando isso acontece com frequência, podendo indicar a presença de uma condição conhecida como alexitimia. “Ela é um estado mental em que a pessoa tem uma incapacidade de identificar, compreender e de expressar suas próprias emoções”, explica o psiquiatra Bruno Brandão (@brunopsiquiatra).
De acordo com o médico, a alexitimia pode ser identificada em pessoas que possuem um estilo de pensamento mais concreto e menos subjetivo. “Há também uma capacidade de imaginação mais limitada. A pessoa foca mais nas sensações físicas que nas emoções. Quando se sente um frio na barriga ou se está com o coração acelerado, a pessoa não dirá que está com medo. Ela tem aquela experiência e vai explicar que o coração bateu forte e que a barriga ficou fria. É uma percepção sensorial, sem aquele componente subjetivo da emoção”, explica.
Conforme Brandão, a alexitimia pode ser experimentada por qualquer pessoa, inclusive, em níveis diferentes. “Tem pessoas que vão ter mais dificuldade e tem pessoas que vão ter menos, mas qualquer um pode experimentar esse tipo de dificuldade, especialmente porque as emoções são como se fossem uma linguagem, então, da mesma forma que aprendemos a escrever, nós aprendemos a rotular as emoções desde que nascemos. Quando você está irritado e ainda é pequenininho, alguém vai nos dizer ‘menino, você está bravo’. Assim vamos aprendendo o significado de cada emoção”, explica Brandão.
Embora possa ser uma condição que atinge qualquer pessoa, a alexitimia também costuma estar relacionada a condições neurológicas, como o autismo, e até mesmo a alguns transtornos alimentares. Pacientes que sofrem de anorexia nervosa, por exemplo, têm cerca de quatro vezes mais chances de apresentarem a condição do que pacientes que não sofrem do distúrbio, conforme um estudo publicado na “Revista Brasileira de Psiquiatria”, em 2011.
“A alexitimia também pode estar presente em algumas doenças psicossomáticas, como o próprio transtorno de personalidade antissocial. Pessoas que possuem ele podem ter certo grau de dificuldade em reconhecer essas emoções”, exemplifica o psiquiatra. “Então, alexitimia não é mesmo um transtorno mental, mas pode ser um sintoma associado a outros quadros neuropsiquiátricos”, reitera Brandão.
Condição impacta nas relações sociais
A dificuldade de expressar e compreender os sentimentos, característicos da alexitimia, podem trazer impactos significativos para as relações sociais. “Não utilizamos apenas a linguagem falada na nossa comunicação, as emoções também fazem parte do sistema de linguagem. Quando você olha para uma pessoa, você consegue ter noção se ela está gostando do seu assunto, se foi com a sua cara, se está feliz ou triste, e, assim, se deve parar de falar ou continuar. Ou seja, o estado emocional dela fala por si só, então se eu tenho dificuldade de reconhecer meu estado emocional, também tenho dificuldade de reconhecer o do outro e de interagir”, pontua Bruno Brandão.
O psiquiatra e terapeuta cognitivo-comportamental Rodrigo de Almeida Ferreira (@psiqrodrigo) ressalta a importância de se conversar sobre as emoções. “Expressar o que estamos sentido também é uma forma de atender às nossas necessidades. Uma necessidade não atendida não leva a uma doença psicossomática, mas causa sofrimento, frustração”, destaca. “Na educação clássica, não era comum que os pais ensinassem as crianças a falarem sobre os sentimentos, mas hoje sabemos que falar sobre eles favorece o crescimento de adultos saudáveis”, afirma.
Antes de buscar tratamento, é preciso entender o que causa a condição
Como a alexitimia não é uma doença, a busca por tratamento deve ser avaliada, principalmente se ela estiver relacionada a algum outro transtorno. “É preciso saber de onde ela vem, se é um caso de autismo, de TDAH (Transtorno do déficit de Atenção com Hiperatividade), de um transtorno de personalidade. Cada um deles terá um tratamento específico”, explica Bruno Brandão. Ele acrescenta, ainda, que se a busca for pela melhoria da compreensão e da expressão dos sentimentos, é necessário aprender a nomear as emoções, rotulando-as. “É preciso identificar a situação, o pensamento associado a ela e, então, qual a emoção sentida. É literalmente nomear se é raiva, medo, alegria, entendendo os sintomas que a pessoa tem e que estão associados a essa emoção”.
Rodrigo de Almeida Ferreira ressalta que a terapia pode ajudar também, principalmente nos casos em que há uma busca na melhora da comunicação das necessidades e expressão das emoções. “É um processo terapêutico que vai ensinar a pessoa a praticar essas habilidades, porque falar sobre as emoções é uma habilidade que pode ser pouco ou muito treinada. Mas com a prática ela pode melhorar”.