É comum ver os termos “alteridade” e “empatia” sendo, erroneamente, compreendidos como sinônimos. Mas, mesmo que ambos tratem da forma como nos relacionamos com o outro, os dois conceitos dizem respeito a questões diferentes. Por um lado, a empatia envolve a capacidade de compreender e compartilhar as emoções do outro, em um movimento em que nos colocamos no lugar de outra pessoa para entender como ela se sente. A alteridade vai além, incorporando uma postura de respeito e valorização da diversidade e das diferenças entre os indivíduos, reconhecendo a singularidade de cada um. 

Professor do departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, o antropólogo Rubens Silva explica melhor a relação entre os termos, pontuando que a alteridade pode ser compreendida como um caminho que leva à possibilidade de empatia. É quase como se os dois conceitos fossem peças do mesmo quebra-cabeça. “Uma relação de compreensão, de afeto, de me colocar no lugar do outro, passa por uma relação direta entre mim e ele, entre mim e outro ponto de vista. É uma dinâmica em que precisamos nos colocar mais abertos e mais dispostos a compreender”, explica. 

A aplicação dos conceitos na prática, porém, se torna mais complicada quando analisamos o cenário atual, marcado pelo individualismo e pela competição. Nesse sentido, estar aberto a entender as diferenças é um grande desafio. “Quando a antropologia estudou as sociedades mais tradicionais, dos povos originários, ela observou que há uma relação de um valor, que é a coletividade. A sociedade moderna, por outro lado, dá proeminência ao indivíduo e associa os valores à ideia de propriedade, daquilo que é meu. São valores e dinâmicas internalizados que frequentemente levam a uma relação de disputa, com cada um focando si mesmo e menos o outro”, observa. O antropólogo ressalta ainda que esse é um processo histórico, que data de centenas de anos. “A expansão colonial é um desdobramento disso. É uma visão de mundo que coloca determinada cultura na posição de superioridade, de referência de padrão, e olha para o outro, muitas vezes, desqualificando-o e tentando impor seu valor”, exemplifica.

E todos esses processos, como explica Rubens, afetam diretamente a subjetividade, a dimensão psicológica, psíquica e o sentimento das pessoas. “Aquilo que é estrutural está muito fundo, são coisas que refletem e orientam a maneira de ser e viver. Então quando pensamos nos dias de hoje, com tudo que temos experimentado no mundo, com a história recente no nosso país, voltamos a questionar sobre onde fica a empatia com tanta violência, com tanto ódio, com tanto desrespeito. A discriminação que se mantém de uma maneira chocante afeta a relação de alteridade”, afirma. 

A ausência de atitudes que sejam baseadas nesses conceitos também traz consequências. É isso que pontua o psicólogo clínico João Gabriel Grabe. “A alteridade e a empatia são necessárias para o nosso desenvolvimento enquanto pessoas humanizadas. Constantemente, vemos e ouvimos diferentes formas de intolerância, seja religiosa, sexual, política ou racial, que, além de atingir grupos, também afetam as pessoas de forma individual. Nesse sentido, faz-se necessária a empatia em relação a esses sofrimentos, já que as pessoas podem sentir que não são escutadas e que têm seus sentimentos ignorados”, observa. “A falta da alteridade também tem impactos, podendo fazer com que sejam perpetuadas essas intolerâncias diversas, devido à negação em querer reconhecer a realidade do outro, pautando-se apenas por discursos prontos, mas que potencializam ataques a todos aqueles que pensam diferente”.

Possibilidades

Apesar do cenário complexo, Rubens Silva aponta que existem caminhos para a mudança. “Não tem uma fórmula, mas há possibilidades. Eu sempre penso que o mundo em que vivemos, o que me afeta, minhas ambições, meu individualismo, meu desejo, minha ganância, tudo isso pode ser superado tomando consciência das coisas. Uma consciência crítica, que se estabelece no contato com outros e com outras situações que nos colocam diante de nossas próprias contradições”, pontua. 

Diálogos, compartilhamento de ideias, experiências e a arte são outros trajetos que podem ser explorados para provocar mudanças. “Precisamos conversar o tempo todo, porque os conflitos estão presentes, em termos de classe, questões de gênero, patriarcalismo, machismo, questões étnico-raciais e o próprio racismo estrutural”, enumera. “Espero que essas coisas sejam conversadas, expostas e enfrentadas. Não tem outra maneira”, diz.