Como começa a sua história?
Na cidade de Manga, na noite do réveillon de 1989 para 1990, depois de um abuso sofrido por minha mãe biológica. Nasci do dia 30 de agosto. Fui adotada por uma mulher intersexual. Aos três meses, fui acolhida pela mãe dela, que tinha 65 anos.
Você tem contato com sua família biológica?
Sim. Tenho um amor pela minha mãe e pelos meus irmãos que foi construído com o tempo. Não a culpo por nada. Eu a entendo.
Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou?
A minha vida é um curso completo de resistência. Na família adotiva, convivi com irmãos alcoólatras e com pessoas que ficavam me perguntando por que minha mãe biológica tinha me abandonado.
Com quantos anos começou a trabalhar?
Diante da pobreza e da falta de oportunidades, comecei a trabalhar aos 8 anos, vendendo velas na porta do cemitério da cidade. Por volta dos 12, comecei a fazer faxina na casa de conhecidos. Dos 14 em diante, além das faxinas, vendia doce e salgado. Também consegui o Bolsa Família, que foi fundamental para que eu ajudasse dentro de casa.
Houve algum momento em que a situação melhorou?
Sim. Como pessoa, começou quando um professor de química me acolheu aos meus 16 anos. Por ser negro e ter tido que enfrentar até mais opressões e obstáculos do que eu quando era jovem, assumiu uma posição de paternidade. Nas conversas, ele começou a me mostrar os negros que foram e são ícones da política, da cultura, e a contar suas histórias, fossem do Brasil ou de outros países. A partir dali, comecei a ver o mundo com outros olhos.
Quais foram os reflexos na sua vida?
Descobri meu potencial como mulher diante das adversidades. Na mesma época, fui tentar a vida em Brasília como diarista, terminei o ensino médio, mas acabei voltando a Manga. Essa ida e vinda entre as cidades durou alguns anos. Passei por vários empregos, mas sempre com a faxina como principal.
Como foram seus primeiros passos no ativismo social?
Em 2012, mudei-me para Paraty (RJ) por causa de um amor que não durou (diz, entre risos). Vendo todo aquele cenário cultural, tive a ideia de vender doces com nomes de escritores brasileiros: Jorge Amado, Cora Coralina, Carlos Drummond de Andrade. Passei a ser convidada para vendê-los em saraus e eventos culturais. Daí, nasceu a Confeitaria Literária.
Isso foi um divisor de águas na sua vida?
Sem dúvida. Nesse tempo, vi-me cada vez mais envolvida com o ativismo cultural. Acabei fazendo contatos e, em 2014, recebi um convite para viajar a Moçambique e apresentar o meu trabalho. Fiquei lá durante 20 dias e ajudei a organizar atividades sobre literatura brasileira para as crianças. Com essa experiência, me descobri pela segunda vez na vida: que o sucesso não vem do dinheiro, mas da forma como você transforma a vida das pessoas.
Essa experiência contribuiu para sua ida aos EUA?
Ela foi fundamental. Eu já queria conhecer o país. Em 2015, juntei dinheiro e passei meu aniversário lá. Nessa viagem, cheguei à seguinte conclusão: se é para ser faxineira, que eu seja num lugar que pague dignamente e me ofereça oportunidades mais justas.
Como foi o processo para a mudança?
Foi muito repentino. Eu tinha feito boas amizades nos Estados Unidos. Durante o Carnaval de 2016, ainda morando no Rio, peguei um dinheiro que eu tinha guardado e, da noite para o dia, peguei um voo para nunca mais voltar.
Como foi o início em Nova York?
Fiquei na casa de uns amigos e comecei a trabalhar como faxineira, o que acontece até hoje. Em valores, recebo melhor do que no Brasil. A qualidade de vida melhorou muito e consigo comprar as minhas coisas com mais facilidade. Não me arrependo nenhum dia de ter tomado essa decisão.
Como aconteceu o convite para palestrar na universidade?
Entrei para um coletivo de brasileiros chamado Brado, que luta por questões sociais, principalmente a igualdade. Durante uma conversa, um dos membros sugeriu que eu contasse a minha história de luta e superação aos doutores da Cuny University – ele trabalha lá –, como prova viva de que a mudança é possível, independentemente do status social.
Como você se sentiu?
A sensação era de total responsabilidade. Naquele microfone não ecoaria a minha voz, mas as vozes de todas as pessoas que lutam todos os dias por uma vida melhor. Principalmente as mulheres brasileiras, que matam dois leões por dia.
A palestra já abriu portas?
Tenho recebido o carinho de pessoas que nem conheço e convites de outros lugares para palestrar de novo: igrejas, escolas, sedes de grupos sociais. Mas, o momento mais feliz foi quando recebi um vídeo da ex-presidente Dilma Rousseff me dando os parabéns pelo convite e incentivando a continuar a luta como mulher brasileira, não importando a língua ou o país.
Quais impactos você espera causar?
Quero impactar a vida de outras “Allines”, do Brasil e do mundo, para que se descubram como mulheres que são capazes de vencer qualquer obstáculo que aparecer. No que depender de mim, essa palestra foi apenas a primeira de muitas. Além disso, até o fim do ano, lanço o livro falando sobre a minha história: quero que ela chegue ao mundo inteiro.