Entrevista

Filósofo americano define conceito de 'babaca' em livro

Aaron James diz que a sociedade na qual se vive é responsável por criar e alimentar esse tipo de personalidade


Publicado em 14 de junho de 2019 | 06:00
 
 
 
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O filósofo, escritor e professor norte-americano Aaron James acha que é crucial começarmos a entender os babacas como uma espécie independente dos idiotas, dos burros e dos estúpidos. James defende que os babacas são um tipo de personalidade, e não se trata de um comportamento. Lançado recentemente, o documentário “Babacas: Uma Teoria” (em tradução livre do inglês), baseado no livro homônimo de James, investiga os locais de reprodução da “cultura babaca” contemporânea e localiza os sinais de civilidade em um universo que, de outra forma, seria rude e desagradável.
 
O que é a “teoria do babaca”? 
A definição acadêmica é de alguém que, nas relações interpessoais ou profissionais, tem as seguintes características: permite-se aproveitar de vantagens especiais e o faz sistemicamente; faz isso a partir de um senso de direito enraizado; e é imunizado por esse seu senso contra as queixas de outras pessoas. 
 
Como a teoria nasceu? 
Enquanto surfava, um cara estava quebrando as regras do direito de passagem no surfe. Eu me vi pensando que o cara era um babaca, mas então percebi que não estava apenas exalando maus sentimentos em relação ao homem. Eu estava classificando-o. Percebo que “babaca” é um tipo de personalidade.
 
Como identificar um babaca no dia a dia?
Isso é bastante simples. Um babaca pode furar a fila, interromper alguém durante uma conversa com regularidade, fechar alguém no trânsito, dizer coisas desnecessariamente dolorosas, e assim por diante. Tudo isso consciente e deliberadamente, porque o babaca se sente bem. Ele acredita que é genuinamente superior a você, com interesses que superam intrinsecamente os seus. Quando você o desafia, ele fica indignado, como se fosse ridículo que alguém como você ousasse contestar seu status superior.
 
Por que essas pessoas existem?
Porque ser um babaca funciona para elas, e elas percebem isso como uma forma de ajudá-las a conseguir o que querem ou aquilo a que têm direito. 
 
Você define que ser babaca não é questão de comportamento, mas de personalidade. Por quê?
 Ninguém está livre de ser, porque todo mundo age como um babaca de vez em quando. Todos nós temos um babaca interior. Mas a maioria consegue mantê-lo quieto, suprimindo-o e corrigindo-o. 
 
Uma pessoa pode nascer babaca?
Rejeito a ideia de que existem idiotas por natureza. Acredito que incidências de comportamento babaca em diferentes sociedades indicam que eles são culturalmente produzidos. Embora a bagagem genética possa predispor alguém a se tornar um babaca, há fatores ambientais que determinarão se essa predefinição é ou não atualizada. 
 
Quais seriam esses fatores?
Normas de gênero, que incentivam os meninos a serem babacas enquanto desencorajam as meninas; proliferação do narcisismo via redes sociais e autoestima dos pais num modelo de capitalismo em que os cidadãos se sentem no direito de ter um enriquecimento pessoal ilimitado, mesmo a custo social. Além disso, há o enfraquecimento de “sistemas de amortecimento de babacas”, como a família, religião e a lei. 
 
Por que ser um babaca está relacionado ao comportamento tipicamente masculino?
Os meninos são frequentemente criados para serem insensíveis aos outros. Foi permitido a eles ser menos responsáveis do que as meninas. Então, os homens geralmente também são. As mulheres, quando são babacas, costumam reproduzir essa personalidade tipicamente masculina.
 
No seu livro, o senhor escreve que um menino recém-nascido nos Estados Unidos ou em Israel tem muito mais probabilidade de viver a vida de um babaca que uma criança no Japão, na Noruega ou no Canadá. Por quê?
Primeiro de tudo, acho que existem babacas em todas as sociedades, mas em graus diferentes, e, em grande medida, é a cultura da sociedade que determina o quanto da população vai ser babaca. Então, parece que há certos tipos de sociedades, como a América, a Itália ou Israel, onde aos babacas são muito mais comuns, mesmo ajustando as diferenças no tamanho da população e coisas assim.
 
Há alguma explicação?
Podemos especular algumas. O babaca é um grande prejuízo para a coletividade por causa da sua individualidade em excesso. Levando isso em consideração, se você for ao Japão, por exemplo, a forte cultura coletivista cria um senso de polidez muito forte e palpável, na medida em que, se alguém fosse babaca no Japão – e eu tenho certeza de que eles existem – ele seria bastante reprimido, e seria muito difícil para alguém ser descarado sobre isso. Mas em alguns dos outros países que mencionamos, as pessoas são muito abertas e ousadas em quebrar normas cooperativas e defensivas em relação a isso.
 
É possível sobreviver a um babaca sem ser um babaca?
A melhor maneira é evitá-lo, mas o babaca frequentemente traz o pior de nós à tona. Ele é frustrante de lidar, em parte porque nos sentimos impotentes, em parte porque estamos frustrados conosco mesmos.
 
Há algum momento na vida em que vale a pena ser um babaca?
Em alguns casos, agir como babaca é o caminho certo para responder a um babaca. Por exemplo, se um pedreiro prometeu reformar sua casa, mas não está fazendo o trabalho rapidamente, pode ser difícil demiti-lo. Então, você pode ter que ficar enfurecido como um babaca, a fim de motivá-lo a manter suas promessas.
 
Há países que são mais babacas do que outros?
A política americana está definitivamente em uma “fase estúpida”. Enquanto os políticos imbecis depreciam e degradam o discurso público, as pessoas se tornam menos interessadas em complexidades, menos dispostas a prestar atenção. Assim, a discussão de questões complexas pode desaparecer.
 
Por que tantas empresas suportam esse tipo de comportamento?
Eles podem ser bons em ganhar dinheiro, por exemplo. Uma empresa achará tentador mantê-los por perto, talvez ignorando os enormes custos que eles impõem às pessoas ao seu redor.
 
Qual é a mensagem mais importante para quem convive com babacas?
 A sociedade frequentemente faz você acreditar que ser gentil é o mesmo que ser fraco, quando, na verdade, é preciso muita coragem para ser cívico entre os babacas.

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