A participação feminina em cargos de chefia no mundo empresarial está cada vez mais abundante no Brasil. Isso é o que diz a pesquisa Panorama Mulheres 2023, elaborada pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pelo Talenses Group. O resultado do estudo mostrou que o papel das mulheres tanto nas presidências de empresas quanto em outras posições de alta liderança no país saltou de 13% para 17% entre 2019 e 2022. 

A empresária Sophia Utnick acredita que, apesar de ainda estar muito longe do ideal, a ascensão feminina no mercado de trabalho pode ser um fenômeno inspirador, positivo e transformador. 

“A liderança feminina é essencial não só para estabelecer políticas de igualdade dentro de uma empresa, mas também na sociedade. Mesmo enfrentando muitos obstáculos, a verdade é que alcançamos posições de chefia graças à nossa capacidade técnica, comportamental e profissional. E estamos sempre prontas para lidar com qualquer demanda imposta por cargos mais altos”, ressalta a brasileira, que é empreendedora do ramo cervejeiro em Nova York, nos EUA. 

Se, por um lado, esse crescimento representa uma vitória, por outro, ele também mostra que o preconceito continua a ser um dos principais entraves para a implementação de programas de igualdade no universo corporativo. 

“Apesar dos avanços, ainda existe muita resistência no ambiente empresarial em relação às lideranças femininas”, observa Janaina Fidelis, especialista em carreira, liderança e saúde mental no trabalho. 

“Muitos desses desafios estão atrelados a problemas como viés de gênero, falta de representatividade, dificuldades na conciliação trabalho-família, discriminação e assédio e falta de suporte e oportunidades de desenvolvimento. Tudo isso limita as oportunidades de crescimento para as mulheres”, crava. 

Segundo Janaína, é fundamental que as empresas e a sociedade trabalhem em conjunto para superar todas essas resistências. 

“(Para isso) é necessário se promover a igualdade de gênero e criar ambientes inclusivos, que proporcionem oportunidades equitativas para que as mulheres consigam assumir posições de liderança. Isso requer a conscientização, a mudança de cultura e a implementação de políticas que valorizem a diversidade e a inclusão de gênero”, sugere a especialista. 

Já Sophia Utnick diz que é preciso estabelecer-se um plano prático e estratégico para que exista uma maior presença feminina nos quadros corporativos. 

“É preciso adotar-se uma gestão que reconheça, acima de tudo, o capital humano. Não se trata apenas de entender que é preciso oferecer as mesmas oportunidades para as profissionais do sexo feminino, mas sim de mudar a perspectiva e enxergar o potencial que elas têm para a criação de uma cultura organizacional mais forte e saudável”, destaca a empresária. 

Força feminina x mundo masculino 

Embora transitem em um universo de trabalho em evolução, as mulheres muitas vezes ainda são forçadas a enfrentar preconceitos culturais que seguem profundamente enraizados na socidedade – e muitas delas  acabam pressionadas a provar que são tão competentes e capazes em suas funções quanto os homens. 

Diante disso, como líderes femininas podem lidar com esses comportamentos para crescer na carreira sem ter que imitar seus pares masculinos? 

“Infelizmente, ainda existe uma expectativa social para que as mulheres demonstrem características tradicionalmente associadas ao gênero masculino, como assertividade excessiva ou agressividade, para avançar no trabalho. Esses estereótipos só criam mais desafios para as mulheres, que, em muitos casos, já são obrigadas a se esforçar para provar suas habilidades e competências em ambientes profissionais. Por isso é essencial quebrar-se essas expectativas e começar a valorizar a diversidade de estilos de liderança, reconhecendo o potencial e as qualidades únicas que as mulheres podem trazer para a mesa”, sugere Janaina Fidelis. 

Sophia Utnick concorda e vai além. “O histórico das mulheres na sociedade por si só já comprova o quanto somos destemidas e dedicadas quando o assunto é contornar problemas e fazer com que suas vozes sejam ouvidas. Hoje em dia, esse tipo de habilidade é primordial no mercado corporativo, que está sempre em busca de líderes perseverantes que possam vencer obstáculos em um cenário tão incerto”, defende ela. 

No entanto, Janaina Fidelis acredita que, devido a experiências de vida e estilos de liderança individuais, homens e mulheres podem apresentar perspectivas e abordagens diferentes para a liderança de um negócio. 

“Há uma ampla variação entre indivíduos, e o sucesso na gestão depende mais das habilidades, competências e características pessoais do que do gênero em si. O mais importante é promover a diversidade de pensamento e garantir oportunidades iguais para homens e mulheres na liderança empresarial”, resume a especialista.

*Minientrevista

Na entrevista a seguir, Janaina Fidelis fala um pouco mais dos desafios que as mulheres enfrentam para firmarem-se como líderes femininas no mercado de trabalho.

Para você, por que ainda não existe uma igualdade de gênero integral nas lideranças empresariais no Brasil? 

Pela minha experiência trabalhando e desenvolvendo líderes há mais de 23 anos, a falta de igualdade de gênero nas lideranças é resultado de uma série de fatores interconectados. Existem barreiras estruturais, como a falta de políticas e práticas inclusivas, a ausência de programas de desenvolvimento específicos para mulheres e a desigualdade salarial. Além disso, vieses inconscientes e estereótipos de gênero ainda influenciam as decisões de contratação, promoção e avaliação de desempenho, prejudicando as oportunidades de avanço para as mulheres. A cultura organizacional também desempenha um papel importante, pois muitas empresas ainda mantêm normas e expectativas sociais antiquadas que limitam o progresso das mulheres. Para alcançar a igualdade de gênero nas lideranças, é necessário um esforço coletivo para eliminar essas barreiras e promover uma cultura de inclusão, equidade e valorização das contribuições das mulheres.

Acredita que as políticas de incentivo estão fazendo diferença positiva para o aumento da equidade de gênero no país? 

Sim, as políticas de incentivo têm desempenhado um papel importante no aumento da equidade de gênero. Elas ajudam a criar oportunidades, estabelecem metas e promovem a conscientização sobre a importância da diversidade e inclusão de gênero, contribuindo para uma maior representatividade feminina em cargos de liderança.

Na sua opinião, o que é preciso ser feito para vencer-se de vez esses desafios e alcançar uma equidade definitiva entre homens e mulheres? 

Acredito que para alcançar uma equidade definitiva no mercado de trabalho, especialmente em posições de liderança, é necessário um esforço coletivo e contínuo. Algumas ações fundamentais incluem: Implementar políticas e práticas inclusivas: Empresas devem adotar políticas de recrutamento, seleção, promoção e remuneração que promovam a igualdade de oportunidades e eliminem vieses de gênero. Programas de desenvolvimento e capacitação específicos para mulheres também são importantes.

Promover uma cultura organizacional inclusiva: Estabelecer uma cultura que valorize a diversidade, a inclusão e a igualdade de gênero, combatendo estereótipos e preconceitos, e encorajando a colaboração e o respeito mútuo.

Estabelecer metas e métricas claras: Definir metas e indicadores para aumentar a representatividade feminina em todos os níveis hierárquicos, acompanhando regularmente o progresso e realizando ajustes quando necessário.

Estimular a liderança feminina: Oferecer mentoria, programas de desenvolvimento de liderança e apoio específico para mulheres, incentivando-as a buscar posições de liderança e superar os desafios enfrentados.

Educar sobre igualdade de gênero: Promover a conscientização e a educação sobre igualdade de gênero, tanto nas organizações quanto na sociedade em geral, para combater estereótipos e promover mudanças de mentalidade.

Como as lideranças femininas podem se fortalecer em seus cargos e ajudar outras mulheres no mercado?

As lideranças femininas podem se fortalecer em seus cargos e ajudar outras mulheres no mercado de várias maneiras:
Mentorar e orientar: Líderes femininas podem compartilhar seus conhecimentos, experiências e conselhos com outras mulheres, orientando-as em suas carreiras e auxiliando no desenvolvimento de suas habilidades e confiança.

Promover a visibilidade: Líderes femininas podem destacar as realizações e o potencial de outras mulheres, dando-lhes visibilidade e reconhecimento, seja por meio de indicações para oportunidades de crescimento, recomendações ou elogios públicos.

Criar uma rede de apoio: Líderes femininas podem promover o networking entre mulheres, criando espaços seguros para compartilhar experiências, conhecimentos e oportunidades profissionais, e colaborar em projetos ou iniciativas.

Defender a igualdade de gênero: Líderes femininas têm uma voz influente e podem ser defensoras da igualdade de gênero dentro de suas organizações, garantindo a implementação de políticas inclusivas, equidade salarial e oportunidades justas de desenvolvimento.

Ser um exemplo e inspiração: Ao liderar com excelência, resiliência e autenticidade, as líderes femininas podem servir como modelos inspiradores para outras mulheres, mostrando que é possível alcançar o sucesso e superar os desafios enfrentados no mercado de trabalho.

Fortalecendo-se em seus próprios cargos e apoiando outras mulheres, as líderes femininas contribuem para a criação de um ambiente de trabalho mais inclusivo, empoderando e impulsionando o avanço de outras mulheres no mercado.