A gestação múltipla é, em si, um desafio que exige não só cuidado e acompanhamento especiais, do ponto de vista médico, como também disposição para aprender. Afinal, quando a espera por um filho se torna a espera por dois, três ou quatro, vale a pena repensar algumas certezas. A começar pela crença de que se pode ter algum controle sobre a vida e o mundo à nossa volta – ou melhor, sobre as vidas que se geram em seu próprio corpo. É também preciso disposição para a convivência com sentimentos aparentemente antagônicos. A expectativa de ver a casa cheia, com a criançada emprestando alegria ao ambiente, por exemplo, vai dividir espaço com diversos medos e preocupações. 

Esta tem sido parte da experiência de Paula Meireles, 36, e Daniel Ottoni, 37, que descobriram, no início de junho, que teriam quadrigêmeos. “A descoberta aconteceu já no primeiro ultrassom, com cerca de cinco a seis semanas de gestação”, explica a jornalista, adotando um tom de serenidade que contrasta com o susto que acompanhou a inesperada – e celebrada – notícia. Uma tranquilidade que já é indício dos ensinamentos que os bebês, antes mesmo de nascer, impuseram ao casal. “De quando recebemos a notícia para cá, muita coisa mudou. Mas o principal é que tivemos que aprender a ter mais tranquilidade, a entender que nem tudo – ou quase nada – está sob nosso comando”, garante ela. 

No mesmo sentido, Ottoni reforça que só a notícia de que seriam pais de quatro foi suficiente para operar neles uma transformação. “Do momento da descoberta para agora, que a ficha caiu, há muita diferença”, diz. “Eu, particularmente, ficava pensando lá na frente, criando milhões de preocupações. Mas entendi que não adianta me desesperar, que não adianta ficar tenso pelo dinheiro que vou precisar daqui a dois anos para a creche dos meninos. Entendi que a gente tem que ir uma semana de cada vez”, observa o também jornalista. 

Improvável. O casal, que vinha tentando ter filhos havia dois anos, realizou o procedimento de fertilização in vitro. No caso deles, seguindo orientação médica, dois óvulos fecundados foram postos no útero. Estatisticamente, as chances de que, com o procedimento, tivessem um filho era de 50%. A possibilidade de serem gêmeos seria de 30%. Já probabilidade de que três crianças fossem gestadas caía para somente 1,5%. Contrariando toda e qualquer estimativa, o casal “ganhou na Mega-Sena”, como Paula Meireles costuma descrever a gravidez de quadrigêmeos. 

“A gente desconfiou que fossem gêmeos após o resultado do exame BHCG (um tipo de teste feito a partir da coleta de sangue e que quantifica a presença do hormônio HCG no sangue e mostra se há indícios de gravidez). O dela veio bastante alto, então fomos para a clínica imaginando que poderiam ser dois”, lembra Daniel Ottoni. 

Logo no início da consulta, a médica que acompanha a gestação de Paula Meireles identificou a presença de três sacos gestacionais, sendo dois de crianças idênticas e um terceiro. Posteriormente, em um exame mais minucioso, veio a descoberta: dois bebês dividiam aquele terceiro saco gestacional. 

Raridade 

“A gestação múltipla é mais comum em casos de reprodução assistida. Mas, mesmo nessas situações, a ocorrência de quadrigêmeos é um fenômeno raro. Nos meus anos de clínica, eu nunca havia presenciado um caso assim”, reconhece a ginecologista obstetra Avelina Sanches, médica que está acompanhando a gravidez de Paula Meireles. 

A profissional explica que, na gestação gemelar (quando há gêmeos), os bebês podem dividir uma única placenta ou se desenvolverem em placentas separadas. No primeiro cenário, estamos falando de uma gravidez monocoriônica e, no segundo, diamniótica. No útero de Paula, as duas possibilidades convivem em uma mesma gestação. 

“Já tive casos trigemelares, em que também havia um bebê separado e outros dois dividindo o mesmo saco gestacional”, expõe a médica, inteirando que as chances de complicações são maiores para as crianças que estão na mesma placenta. 

Avelina destaca que as gestações tri e quadrigemelares são consideradas de risco para as mães e para os filhos. “Podem acontecer, por exemplo, episódios de pré-eclâmpsia (complicação relacionada à pressão arterial alta), de prematuridade (quando a criança nasce antes da 37ª semana de gestação) e de transfusão feto-fetal (quando um bebê se desenvolve mais que o outro com quem divide a placenta). Por isso, é fundamental o  pré-natal seja acompanhado de perto”, adverte.  

É o que tem sido feito no caso de Paula. Desde que completou 21 semanas de gravidez, as consultas passaram de quinzenais para semanais. “Hoje, nós cinco estamos bem”, garante a jornalista. “Os quatro estão com altura e peso dentro do esperado, e a Paula está fazendo fisioterapia, preparando o corpo dela para esse período, que não é fácil”, completa Daniel Ottoni. 

Nascimento. Quanto ao parto, Avelina Sanches detalha que, quando se está falando na gestação de três ou quatro, a cesariana costuma ser indicada. “Em geral, o nascimento precisa ser antecipado devido a riscos de complicações intrauterinas”, informa. “Tratando-se de gêmeos, caso um dos bebês esteja com a cabeça para baixo, esteja encaixado, o parto fisiológico pode acontecer”, diz. 

Rede de apoio. Avelina lembra que a constituição de redes de apoio que funcione antes e depois do nascimento dos filhos é fundamental para todas as famílias, sobretudo para aquelas que vão receber tri ou quadrigêmeos. No caso de Paula Meireles e Daniel Ottoni, além do apoio da família e de amigos, uma vaquinha virtual foi aberta, possibilitando que mais pessoas pudessem prestar suporte ao casal e aos bebês. Os novos papais garantem que essa ajuda tem sido importante, inclusive, para que eles se sintam mais confiantes com o desafio que têm pela frente.

Mãe de quatro 

A influenciadora Renata Lucena, 34, viveu, no final de 2017, algo parecido com o que Paula Meireles vive agora. “Eu já tinha um filho, o Rafinha, que estava com 9 meses, quando voltei a engravidar espontaneamente”, conta, explicando que aquele era um desejo dela e do marido, o consultor tributário Rafael Lucena, 36. A surpresa foi descobrir que, dessa vez, a gestação seria não só de um bebê, mas de três.

“No primeiro momento, ficamos muito assustados, praticamente um mês sem dormir direito. Mas, depois, as coisas foram se acertando”, conta. Fernando, Laura e Beatriz nasceram com 32 semanas e, para ganhar peso, ficaram mais ou menos um mês internados. 

O próximo desafio do casal foi construir uma rede de apoio, já que nem Renata, nem Rafael têm família em Belo Horizonte. “Imagine que a diferença de idade deles é de 1 ano só. Então foi tudo muito difícil. A gente estava com três recém-nascidos e um bebê em casa. Para dar conta de tudo, tivemos que vender nosso carro”, relata. Para manter a situação minimamente sob controle, o casal apostou na organização. “Entendemos que o choro contamina, então a gente tinha que evitar ao máximo que um deles chorasse. Investimos em criar uma rotina, com direito a fazer planilhas com tudo. Nós registrávamos a hora de dar mamadeira, a hora da soneca, a hora de dar remédio de cada um deles”, detalha. “Nossa casa virou praticamente um quartel”, ri. 

Hoje, Renata é só orgulho da criação que tem dado aos filhos. “As pessoas ficam impressionadas. Primeiro, porque somos muitos, e isso chama a atenção. E, segundo, porque eles são muito educados e independentes”, comenta, inteirando que não poderia ser diferente. “Como são quatro, eles vão sendo estimulados desde cedo a ter autonomia e entendem desde cedo que precisam aprender a se virar sozinhos ou terão que esperar a sua vez”, brinca. 

A influenciadora conta que, nas redes sociais e fora delas, famílias com gêmeos, trigêmeos e quadrigêmeos formam uma comunidade. “A gente se apoia e troca experiências. E isso faz a diferença, nos deixando mais confiantes e solidários”, diz. Renata completa dizendo que o conflito de sentimentos aparentemente opostos segue maternidade afora. “Eu tenho, sim, meus surtos, minhas angústias, mas também me sinto abençoada e privilegiada de viver essa experiência”, diz.