Motivada pela matéria “Escolas recusam crianças com deficiência”, veiculada no dia 15 de setembro deste ano pelo jornal O TEMPO, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizou, na última terça-feira, uma audiência pública com famílias que não conseguiram matricular seus filhos com algum tipo de deficiência em escolas particulares de Belo Horizonte.
Participaram do encontro mães de alunos que tiveram as matrículas negadas, promotores de Justiça, defensores públicos, advogados, membros de associações e sindicatos, entre outros. No entanto, governo e diretores de escolas não compareceram.
“Não trabalhamos com esse tipo de criança. A escola não pode parar para se ajustar à sua filha. Não há nada que essa escola possa fazer por ela”. Essas são apenas algumas justificativas ouvidas pelas famílias. A mãe de uma criança de 6 anos com paralisia cerebral que relatou que somente após “seis duras negativas” conseguiu que a filha frequentasse uma escola.
Para o deputado Professor Cleiton (PSB) – pai de um menino com dislexia e déficits de atenção e de aprendizado –, que também recebeu uma negativa ao tentar matricular seu filho em uma escola particular católica no início do ano, esse tipo de justificativa mascara uma política higienista das instituições de ensino. “Existe uma política de promoção da exclusão”, disse.
A vice-presidente da Associação da Síndrome de Asperger no Transtorno do Espectro Autismo (Asa-Tea), Cynthia Prata, acredita que a audiência foi muito positiva. “Nós saímos confiantes de que posturas serão mudadas. As escolas, através desses acontecimentos, estão cientes de que a sociedade e os meios de defesa dos direitos estão se organizando e que medidas serão tomadas. Acredito que estamos indo para uma nova fase”, afirma.
O deputado e presidente da Comissão, Professor Wendel Mesquita (Solidariedade), destacou que a realização da audiência no mês de outubro, coincide com o momento em que as escolas já começam a receber os pedidos de matrículas. “Para que no ano que vem (essas recusas) não aconteçam”, disse.
Para tentar mudar a situação atual, a Comissão da ALMG aprovou o requerimento para cobrar que o Conselho Estadual de Educação aumente a fiscalização nas escolas particulares e verifique a garantia de matrícula para alunos com deficiência; e a realização de uma reunião no Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep) com a presença de diretores de instituições de ensino, defensores e promotores.
Além disso, a presidente do Sinep, Zuleica Ávila, comprometeu-se a procurar diretores das escolas da capital mineira para tratar a questão da inclusão e orientar em relação às negativas de matrículas.
Conselho e diretores se ausentam do debate
A ausência de representantes do Conselho Estadual de Educação e, especialmente, de diretores de escolas particulares denunciadas foi criticada pelos participantes da audiência pública realizada na ALMG. Foram convidados para a audiência os colégios Bernoulli, Marista Dom Silvério, Loyola e Santo Agostinho, todos de Belo Horizonte.
Os colégios citados foram denunciados por pais que participaram da audiência. “Aos 9 anos, ele (filho) tem notas acima de 80% em todas as matérias e já cursa o quarto ano do Ensino Fundamental – a última série oferecida pela atual escola. Todas as outras 12 crianças foram aceitas pelo convênio, menos o meu filho”, denunciou a mãe de um autista que teve a matrícula rejeitada pelo Bernoulli.
O defensor público Estevão Carvalho, coordenador da Defensoria Especializada do Idoso e da Pessoa com Deficiência, reforça que a recusa de matrícula é crime e orienta. “Tem que chamar a polícia e lavrar boletim de ocorrência”, diz. Segundo ele, nos últimos anos, a defensoria vem recebendo um número crescente de denúncias.
“A partir do momento em que a escola se nega cumprir a lei, tinha que ser cassado o registro dela”, defende a advogada Daniela Mata Machado.
Em nota, o colégio Santo Agostinho informou que “o convite para a audiência pública foi enviado durante o período de recesso escolar” e que “acolhe pessoas com deficiência em todas as suas unidades”.
Também por meio de sua assessoria de imprensa, o Colégio Marista Dom Silvério ressaltou, em nota, que "é uma instituição que acolhe pessoas com deficiência física e mental e não faz qualquer tipo de discriminação" e que desconhece qualquer recusa de matrícula por esse motivo. "O convite para a audiência pública foi encaminhado por email na data de recesso escolar, em 15/10, e foi para a caixa de spam", diz o texto da nota.
Já o Conselho Estadual de Educação, informou que "por um erro de comunicação interna, a conselheira indicada para comparecer a reunião representando o CEE-MG não foi informada a tempo".
Conforme nota assinada pelo presidente Hélvio de Avelar Teixeira, "o fato se deu por ela estar organizando como coordenadora da Comissão Científica um evento exatamente relacionado a educação inclusiva, o Congresso Mineiro das APAES, na qual ela é militante assídua e uma das maiores autoridades no Estado sobre o tema".
Diz o texto que, a educação inclusiva foi abordada em uma das últimas Plenárias Abertas ocorrida em 31/07/2019, com o tema: Políticas Nacional da Educação Especial e a participação da Conselheira do CNE Suely Melo de Castro e do Deputado Federal Eduardo Barbosa, responsáveis pelo assunto em suas respectivas casas representativas. "Inclusive o CEE-MG é pioneiro na implantação de um projeto piloto sobre Educação ao Longo da Vida, voltada especialmente para os portadores de deficiências que normalmente encontram-se alijados do processo educacional. Para este evento a Assembleia Legislativa foi convidada e não compareceu e nem se justificou também. Entendemos isto como necessidades prementes de trabalho e não como descaso para com o tema".
O presidente justifica ainda que, "no meu caso, estava na data da reunião fora do estado, participando do Fórum de Educação Bilíngue no Consulado Britânico em São Paulo. Acompanhamos de perto e em todas as instâncias as discussões sobre o assunto e respondemos de pronto às demandas e consultas a nós formuladas".
A reportagem procurou os outros colégios, mas nenhum deles justificou o não comparecimento na audiência.