Mentes poderosas

Pesquisa da UFMG identifica ‘superidosos’ brasileiros

Universidade avalia 639 idosos para descobrir fatores de proteção da memória e descobre 18 com uma memória impressionante


Publicado em 10 de novembro de 2019 | 06:00
 
 
 
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A primeira lembrança de Rita Drumond é de quando ela tinha 4 anos: “Na minha família, nasceram oito moças, e, quando veio um menino, meu pai ficou feliz demais e fez um jantar comemorando o batizado. Quando tiraram a mesa, deixaram um copo com um pouquinho de cerveja na pia para lavar. Eu o peguei e virei todo. Era do meu tio, que estava com tuberculose. As meninas ficaram muito nervosas e correram para lavar a minha boca, mas, graças a Deus, não deu nada de ruim. Lembro como se fosse hoje!”, conta ela, aos risos. 

A festa foi em 1928 e é uma das memórias que divertem Rita aos 95 anos, quando ela não está entretida com jogos de buraco de sexta a domingo ou preparando roscas caseiras semanalmente. Longe do estereótipo de pessoas com mente fragilizada na terceira idade, a aposentada bem poderia ser uma “superidososa”, grupo que uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais acaba de identificar no Brasil. 

“Superidosos são indivíduos acima de 75 anos que têm desempenho em testes de memória comparáveis aos de idosos 15 a 20 anos mais jovens”, explica a autora do estudo, a neurologista Karoline Carvalho Carmona. “Quando você vê um idoso, ainda mais como nesse caso, acima de 95 anos, ativo, jogando baralho e se lembrando das coisas, a gente pode suspeitar que se trata de um superidoso. Mas, para poder classificá-lo assim, precisa preencher critérios formais”. 

Ela avaliou informações coletadas pelo projeto Pietà, também da UFMG, que mapeou a saúde e os hábitos de vida de 639 pessoas acima de 75 anos em Caeté, na região metropolitana de Belo Horizonte. Elas passaram por vários testes de memória, e o envelhecimento cerebral de 132 (20,6%) delas foi considerado saudável – dentre essas, 18 foram além e tiveram desempenho similar ao de quem é duas décadas mais jovem, representando apenas 2,8% da amostra. 

O principal exame aplicado é o Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey (RAVLT): “Ele consiste na repetição de uma lista de 15 palavras, e, a cada leitura, a pessoa tem que repetir o máximo de que se lembrar”, explica Karoline. A lista é intercalada a outra, e o examinado faz outras atividades entre as duas. 

Superidosos: a origem

Para Karoline, a questão é: o que leva um superidoso a preservar tanto a memória? “De tudo o que a gente comparou no estudo, as únicas duas variáveis impactantes foram menos frequência de sintomas depressivos e menor idade”, diz. Em média, os superidosos tinham aproximadamente 77 anos, enquanto aqueles com envelhecimento habitual tinham quase 80. 

Pesquisas sobre essa população em países desenvolvidos costumam identificá-los entre pessoas com maior escolaridade. Mas a amostra brasileira tinha cerca de quatro anos de educação formal.

“Por isso, a gente considera maior participação de fatores biológicos e genéticos no surgimento de superidosos”, diz Karoline. 
Pioneiro no campo, um grupo da Universidade Northwestern, em Chicago, observou particularidades no cérebro dessas pessoas.

Algumas áreas do órgão atrofiam-se com a idade, mas, no caso dos superidosos, o córtex cerebral (área mais externa do cérebro, onde se concentram os neurônios) não tinha perdas significativas. O cíngulo anterior (relacionado a controle de emoções e aprendizado) também era mais espesso que o observado geralmente. Segundo os autores da pesquisa, descobertas assim podem abrir caminho para entender a ação de doenças como o Alzheimer. 

Na velha estrada

Em julho último, aos 86 anos, Raimundo Nonato de Oliveira realizou o sonho de participar do Capital Moto Week, maior encontro de motociclistas da América Latina. Com a esposa, de 60 anos, na garupa do triciclo motorizado, ele pilotou pelos pouco mais de 1.000 km entre Guaratinguetá (SP), onde vive, e Brasília para o encontro.

Quando ele não está sobre rodas, é provável que seja encontrado trabalhando em tempo integral na oficina mecânica que abriu há cinco décadas. “Tenho uma vida movimentada, e andar de moto ajuda também, porque requer muita atenção. Eu sou idoso, não velho”, diz. 

“Envelhecimento cerebral saudável é aquele em que a pessoa tem condição de aprender coisa nova todo dia. Não é por ficar mais velho que se tem que perder a condição de fazer as coisas”, ressalta o geriatra Rafael Terra, um dos organizadores da União Nacional dos Idosos (Unidoso, que deve iniciar as atividades neste mês e oferecer apoio a projetos sociais voltados à terceira idade). Karoline reforça: “Não é normal perder a memória ao longo do tempo de forma que impeça a pessoa de fazer atividades do dia a dia. Isso já passa para um quadro demencial”.

No mundo todo, 50 milhões de pessoas vivem com demência (Alzheimer, especialmente). A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o número chegará a 82 milhões em 2030 e, em 2050, a 152 milhões. A demência representa até prejuízo econômico – só em 2015, foi responsável pela perda de US$ 818 bilhões na economia global. 

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