Ficou fácil se engajar em uma causa desde que as redes sociais se entranharam em cada poro do nosso dia a dia. Confortavelmente sentado em casa, basta clicar em “compartilhar”, usar uma hashtag ou informar seu e-mail para assinar uma petição, e pronto! Quase automaticamente, você faz a sua parte. A postura é muito criticada até por militantes, digamos, mais ativos.

Mas transformações em nossa sociedade mostram que o chamado “ativismo de sofá” pode, sim, ser eficaz.

Um desses exemplos é a luta contra o assédio e as agressões às mulheres. Tudo começou no ano passado com a veiculação de duas hashtags nas redes sociais: #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto. Na primeira, o objetivo era denunciar um caso de abuso sofrido. Na outra, denunciavam-se exemplos de atitudes machistas.

Ambas as campanhas foram alavancadas por feministas ativas nas redes sociais. Logo após a circulação dessas ações, o telefone 180, que recebe ligações anônimas, registrou aumento de 40% no número de denúncias. “É muito importante ver tantas mulheres se sentindo minimamente acolhidas, vendo tantas outras compartilharem de histórias parecidas com as delas”, afirmou a analista de relações internacionais Carolina Coêlho, 23, uma das primeiras a postar na campanha Meu Amigo Secreto.

A mobilização online tem determinado também a forma como fazemos política fora das urnas. De 2013 para cá, as redes têm sido particularmente usadas como ferramenta para articulações de diversas frentes de pensamento.

“Todos os casos mais recentes que foram amplificados na internet envolvem, em grande medida, uma parcela de ativismo de sofá. Por meio das redes, as pessoas criaram manifestações pró e antigoverno. Todas elas foram organizadas em redes sociais e grupos no WhatsApp”, aponta Patrícia Rossini, que estuda as discussões políticas na internet em um grupo de pesquisa em mídia e esfera pública da UFMG.

Nesses casos, a participação virtual foi seguida de uma mobilização real. Mas, algumas vezes, somente a visibilidade da propagação online da informação já é suficiente para provocar mudanças. “No Big Brother Brasil de 2013, havia um casal de lésbicas. No início, elas não eram consideradas como um casal pela rede Globo. A comunidade LGBT se organizou na veiculação de hashtags e, por fim, conseguiu que elas fossem tratadas da mesma forma que todos os outros casais héteros que já se formaram no programa”, lembra a pesquisadora.

Desabafo. Uma das polêmicas mais recentes nas redes sociais e que teve peso fora da internet envolveu a estudante Lorena Cristina de Oliveira Barbosa, 20, aprovada na 15ª colocação para o curso de Letras da UFMG pelo sistema de cotas. Lorena se deparou com um post considerado racista no Facebook. “Para o curso de Letras na UFMG há 260 vagas. Fiquei na posição 239. Mas não vou entrar, por quê? Por causa dessas merdas de cota (sic)”, publicou uma jovem, em tom de desabafo.

Lorena respondeu. “Vou ser uma aluna excelente e uma ótima profissional que, futuramente, vai roubar o seu emprego também”, dizia parte de seu comentário. Sua reação levou a uma multidão de pedidos de amizade na rede e mensagens de todo o país. “A vida inteira, eu escutei que nunca conseguiria, que eu era burra. Mas agora vejo as pessoas falando que eu sou inspiração. Muitos são negros, como eu, querendo fazer o mesmo”, declarou a estudante a O TEMPO no último dia 20.

As ações na rede são inúmeras, e não há uma “fórmula mágica” para o êxito. Mas a atenção ao público a quem ela se destina é fundamental.

“Uma campanha na internet necessita de várias coisas para ter sucesso. Mas destaco a operação consciente dos processos comunicacionais em vista de seus objetivos. A mudança exige que os operadores conheçam os meios de que dispõem, os temas sobre os quais estão tratando e o público para o qual estão se dirigindo. Sem isso, muitas vezes se produz muita informação inútil”, ensina o professor Francisco J. Paoliello Pimenta, do curso de comunicação social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Resultados surpreendem manifestantes

Quem se engaja nas redes, algumas vezes, até se surpreende com o sucesso da ação. Esse foi o caso das ativistas que compartilharam as hashtags contra o assédio e as agressões às mulheres.

“Acho que ninguém esperava por tanta repercussão, apesar de ser um tema extremamente importante e compartilhado por tantas mulheres”, declarou Carolina Coêlho, 23, uma das atuantes da Meu Amigo Secreto.

“Na verdade, é algo muito sem controle, a gente não fazia ideia de que ia ficar grande assim”, complementou a estudante universitária Dandara Oliveira de Paula, 22, também alavancadora da campanha (ambas evitam o título de criadoras do movimento).

A página no Facebook, criada no fim de novembro do ano passado por Carolina, Dandara e também por Jessica Sol, Maria Leão, Samantha Su, Raíssa Dantas e Letícia Vieira Goulart, já tem mais de 10.300 curtidas. Mais impressionante ainda são os reflexos das campanhas no “mundo real”.

Minientrevista

Patrícia Rossini

Pesquisadora Grupo de pesquisa em Mídia e Esfera Pública da UFMG

Qual é o papel da internet nas lutas sociais?

A internet atua em três eixos: dar visibilidade a causas que nem sempre são o centro da discussão política; facilitar a mobilização, reunindo pessoas em torno de uma causa; e possibilitar a movimentos sociais e participantes ressiginificar conteúdo, pois a cobertura da mídia tradicional tende a omitir muitas coisas.

Uma pesquisa dos EUA comprovou a eficácia de algumas ações. Podemos afirmar que o ativismo de sofá funciona?

Gosto de pensar nele como recurso, como oportunidade de melhorar, amplificar e organizar o movimento. Mas é impossível generalizar. A plataforma Avaaz tem centenas de petições. Não conseguimos mensurar quantos Projetos de Lei atingiram o número desejado de assinaturas e foram aprovados por conta disso.

Por outro lado, não podemos descartar que esse ativismo tem seu lugar.

Mais do que pensar em quais são os efeitos práticos dessas mobilizações, talvez seja melhor olhar para os efeitos políticos de trazer conhecimento, circular informações sobre os problemas e amplificar essas vozes.

Só as ações na internet são suficientes para mudar o mundo?

Sobretudo medidas que necessitam chamar a atenção do poder político não podem prescindir de uma etapa presencial. É importante lembrar que as redes sociais são ferramentas, mas elas não fazem nada sozinhas.