O mesmo mecanismo usado para sugerir um filme na Netflix ou um possível “crush” no Tinder está sendo adaptado por pesquisadores para que os algoritmos consigam prever o risco de morte em pacientes. Estudo realizado na Universidade de São Paulo (USP) usando a inteligência artificial (IA) já conseguiu prever 70% dos óbitos de um grupo de idosos.
Algoritmos são elementos que regem a maior parte dos eletrônicos. Na matemática e na computação, eles funcionam como uma sequência de instruções para que a máquina realize determinada tarefa. Dessa forma, usando os computadores especializados em IA do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) da USP, os algoritmos criados por alunos e professores da universidade conseguem aprender e analisar em poucas horas as complexas interações entre 37 fatores que podem levar ao óbito, explica o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Alexandre Chiavegatto Filho.
A coleta de dados para acompanhar a evolução do estado de saúde dos idosos começou no ano 2000, e depois a IA foi incorporada. “Muitos participantes já foram a óbito, no entanto, os dados foram usados para, a partir das informações coletadas, ensinar o algoritmo a aprender a identificar quem vai a óbito”, diz.
Segundo Filho, foram testados cinco tipos de algoritmos. “Um deles, inspirado no cérebro humano, possui redes neurais artificiais e apresentou o melhor resultado”, afirma. Redes neurais artificiais são ferramentas matemáticas que procuram simular a forma, o comportamento e as funções de um neurônio biológico.
Recentemente, outro grupo de estudantes da USP foi premiado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, por desenvolver um software que calcula o risco de uma pessoa ser afetada por doenças crônicas – condições essas responsáveis pela morte de 41 milhões de pessoas por ano no mundo.
Saúde
A IA lidera a nova revolução na medicina, abrindo inúmeras possibilidades. Maior precisão no diagnóstico e intervenções individualizadas são alguns exemplos que devem moldar o atendimento do futuro, que, segundo Filho, está próximo. “Ninguém vai a óbito só porque se alimenta mal ou só porque é sedentário. É uma interação complexa que acaba levando a problemas graves. Por isso, acredito que, até o fim do ano, vai ter uma verdadeira explosão da IA na saúde”, afirma.
O projeto do Labdaps ainda está na fase de testar aonde a IA funciona bem. “Não começamos a colocar em prática no dia a dia da atenção clínica, mas acreditamos que, até o fim do ano, essa já será uma realidade”, projeta Filho. Procurado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não quis comentar o assunto.
China e EUA são outros exemplos pelo mundo
Em artigo publicado na revista “Nature Medicine”, cientistas chineses mostraram que construíram um sistema de inteligência artificial que diagnostica automaticamente condições comuns da infância – desde a gripe até a meningite – após o processamento dos sintomas do paciente, histórico, resultados laboratoriais e outros dados clínicos. As informações foram coletadas com base nos registros de quase 600 mil pacientes chineses que visitaram um hospital pediátrico, em um período de 18 meses.
Pesquisadores nos Estados Unidos também estão nessa “corrida”. Organizações, incluindo o Google, estão desenvolvendo e testando sistemas que analisam registros eletrônicos de saúde para sinalizar condições como osteoporose, diabetes, hipertensão e insuficiência cardíaca.
Curiosidade
“Calculadora da morte”: DeathRiskRankings.com
Foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, para prever a probabilidade da morte de uma pessoa com base em dados disponíveis nos Estados Unidos e Europa.
27/08/2009
No dia em que foi lançado, o site recebeu mais de um milhão de visitantes e travou. Em 24 horas, a página bateu o recorde da universidade por um mês. Em 2011, o site tornou-se indisponível.
Minientrevista
Alexandre Filho
Professor da USP
Labdaps
Na prática como funcionaria?
Seria um software instalado no computador, onde o médico vai inserir informações do paciente e, com um clique, o algoritmo vai indicar os riscos. É uma tecnologia extremamente barata, com custo quase zero para ser colocada em prática, e de rápida adoção.
Como os médicos devem reagir a essa novidade?
Eu tenho visto uma evolução dos profissionais nesse sentido. Eu tenho dado palestras e, até três anos atrás, eles estavam apreensivos e com medo do que ia acontecer. Mas, de um ano pra cá, as perguntas não são mais no sentido se a máquina vai tirar o emprego ou diminuir o salário deles. As perguntas têm sido mais técnicas, porque eles costumam ir a congressos e estão vendo que, nos Estados Unidos, por exemplo, a IA tem tido resultados positivos.
Como a IA pode mudar as relações de trabalho?
A grande ironia é que a medida que os médicos vão tomando suas decisões baseadas na IA, vai aumentando a demanda. Ou seja, as pessoas vão começar a ir mais em hospitais, porque vão saber que, quando tiverem um problema de saúde, vão ter o problema resolvido com maior chance de sucesso por médicos que usam a IA. E os médicos vão ter mais oportunidades de emprego.