A relação do contador Fábio Brasil, 43, com os remédios à base de Cannabis começou em 2012. Seu filho, Nícolas, hoje com 9 anos, tem o diagnóstico de síndrome de West – tipo de epilepsia. Depois de tentar vários medicamentos diferentes, apenas o óleo à base de Cannabis funcionou para diminuir as convulsões da criança. Mas com um detalhe arriscado: o remédio era enviado ilegalmente por um médico dos EUA, via correio. “O medo existia, mas era vencido pela necessidade”, lembra Fábio.
Nesta quarta-feira, a Anvisa deu mais um passo na direção de, segundo ela, simplificar a importação e alterou uma série de procedimentos utilizados por pessoas como Fábio. O processo de importação, permitido pela Anvisa desde 2015, exigia que o paciente enviasse, com a receita, um laudo médico (atestando a doença da pessoa e que outros processos terapêuticos haviam sido tentados) e também que discriminasse quantas unidades de medicamento compraria.
Além disso, valia somente por um ano. Agora, tudo isso mudou: o paciente precisa apenas do pedido médico, bem como preencher um formulário em um site do governo para pedir os remédios. A receita passa a valer por dois anos.
Gradual. Segundo a Anvisa, as alterações são parte do processo de simplificação das importações, cuja alteração anterior havia sido em novembro de 2019 – quando os pacientes passaram a fazer solicitações pelo Portal de Serviços do Governo Federal (site que reúne informações sobre órgãos federais). Anteriormente, faziam os pedidos via e-mail. A última solicitação realizada por Fábio foi no fim de novembro, e ele ainda não teve retorno, o que atribui à mudança do canal de pedido.
“Quando eu mandava por e-mail, era um procedimento de, no máximo, 30 dias para mim. Agora, espero há 60 dias. Eu estou em desespero, já tive que reduzir a dose de remédio que dou para o meu filho”, diz. A Anvisa informa que a autorização é avaliada em 75 dias, em média, e relaciona esse tempo ao aumento da demanda.
Em 2018, foram cerca de 3.600 autorizações solicitadas, número que quase dobrou em 2019 (até o terceiro trimestre), chegando a 6.200. Com as modificações, há promessa de redução desse tempo – para um prazo ainda não divulgado pela agência.
A neuropediatra Karina Loutfi, que faz prescrição de medicamentos do tipo, confirma que pacientes têm reclamado de demora no retorno da Anvisa, mas guarda esperança nas novas alterações: “Simplifica uma burocracia. O maior problema é quando demora muito, especialmente para pacientes que têm doenças graves”, diz.
Juliana Paolinelli, vice-presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama+me), também espera facilitação, mesmo já tendo se frustrado: “Quando teve a mudança do cadastro para o portal do governo, já havia promessa de facilitar o atendimento. Isso não aconteceu”.
As mudanças atuais passam a valer após publicação no “Diário Oficial da União", mas a Anvisa não especifica quando isso deve ocorrer.
O que muda
- Validade da receita: ela era válida por um ano. Agora, vale por dois.
- Laudo médico: além da receita, era preciso que o médico preenchesse um laudo, explicando a
- doença do paciente (como epilepsia e Parkinson) e por que determinado medicamento era necessário. O documento passa a ser dispensado no cadastro de importação.
- Quantidade de medicamentos: o paciente precisava informar previamente quantas unidades de remédio iria importar. O controle passa a ser nos pontos de entrada de produtos no país.
Associação espera MPF se pronunciar. As novas modificações feitas pela Anvisa surgem um mês depois de a agência aprovar medidas que autorizam a produção de medicamentos à base de Cannabis no Brasil – mas não o plantio da matéria-prima.
A Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama+me) está na Justiça desde junho de 2019 para obter autorização de plantio da Cannabis e produção local dos remédios. Agora, aguarda posicionamento do Ministério Público Federal no caso – a expectativa do advogado Maurício Sullivan, que coordena a ação, é que seja favorável, o que aumentaria as chances de o plantio ser autorizado.
O contador Fábio Brasil gasta em média R$ 1.200 por frasco de remédio importado, que dura aproximadamente um mês, e acredita que o valor vai continuar alto sem plantações nacionais: “Você não minimiza o sofrimento, porque não vai diminuir o preço”.