Saúde

‘Supercélulas’ são esperança contra doenças genéticas raras

Técnica de combate a câncer é usada experimentalmente para tratar falha da defesa do organismo


Publicado em 03 de janeiro de 2020 | 06:00
 
 
 
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Quando o sistema imunológico de uma pessoa é afetado por uma doença genética, um transplante de medula óssea pode curá-la, mas com uma grande desvantagem: durante os primeiros meses, as defesas do receptor ficam severamente enfraquecidas. A menor infecção pode levá-la ao hospital.
 
Um novo tratamento experimental, conhecido como “terapia com células T”, visa lidar com esse período vulnerável, os meses durante os quais o corpo está reconstruindo suas defesas naturais. Após duas décadas de testes clínicos, a tecnologia foi aperfeiçoada e está sendo usada para tratar cada vez mais pacientes, muitos deles crianças, como Johan.

Hoje ele é um garotinho travesso e sorridente que não se cansa de perseguir o cachorro da família, Henry. Nada nele revela a montanha-russa médica e emocional que sua família, que vive em um confortável subúrbio de Washington, nos EUA, passou nos últimos três anos.

Tudo começou com um teste de gravidez: Johan não havia sido planejado. “Foi um choque, eu chorei”, conta sua mãe, Maren Chamorro, 39. Ela sabia, desde a infância, que carregava um gene que causa um transtorno frequentemente fatal antes dos 10 anos: a doença granulomatosa crônica (EGC). Seu irmão morreu aos 7 anos. E as leis da genética indicavam que ela tinha uma chance em quatro de transmiti-la.

Para os primeiros filhos, ela e o marido, Ricardo, escolheram a fertilização in vitro, o que permitiu um teste genético dos embriões antes da implantação. Seus gêmeos, Thomas e Joanna, nasceram há sete anos e meio, sem a doença. Mas um teste genético confirmou que Johan tinha EGC.

Depois de entrar em contato com o Washington Children’s Hospital, o casal tomou uma das decisões mais importantes de suas vidas: Johan receberia um transplante de medula óssea, um procedimento arriscado que permitiria a cura. “O fato de Maren ter perdido seu irmão mais novo por essa doença teve um papel importante”, diz Ricardo. 

A medula óssea é nossa fábrica de glóbulos vermelhos e brancos. Os glóbulos brancos produzidos por Johan eram incapazes de responder a bactérias e fungos. Nele, uma infecção bacteriana poderia sair de controle. Felizmente, Thomas era um doador compatível. Em abril de 2018, os médicos “limparam” a medula óssea de Johan com quimioterapia. 

Depois, pegaram uma pequena quantidade da medula óssea de Thomas, retirando-a dos ossos da pélvis com uma agulha. Eles extraíram “supercélulas”, como diz Thomas, células-tronco, que foram injetadas nas veias de Johan para que gradualmente fossem produzidos glóbulos brancos normais. 

O segundo passo foi a terapia celular preventiva, em um programa experimental liderado pelo imunologista Michael Keller. A parte do sistema imunológico que protege contra bactérias é reconstruída em poucas semanas, mas, para vírus, o processo leva mais de três meses.

“Exército de supercélulas”. Do sangue de Thomas, os médicos extraíram glóbulos brancos especializados (células T) que já haviam encontrado seis vírus. Keller os multiplicou por dez dias em uma incubadora, criando um exército de centenas de milhões de células T especializadas. O resultado: uma substância branca esponjosa contida em um pequeno frasco de vidro. Em seguida, as células T foram injetadas em Johan, garantindo imediatamente proteção contra esses seis vírus, preventivamente. “Ele tem o sistema imunológico de seu irmão”, diz Keller.

Sua mãe confirma: agora, quando Thomas e Johan pegam um resfriado, eles têm os mesmos sintomas, com a mesma duração. “É ótimo ter a mesma imunidade que seu irmão mais velho”, diz Maren.

A estimulação do sistema imunológico a partir de células doadoras ou das próprias células geneticamente modificadas é denominada “imunoterapia”. Para Johan, um ano e meio após o transplante, tudo indica que ela funcionou perfeitamente. “É ótimo vê-lo brincar na lama”, afirma Maren. 

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