Desde a década de 80, cientistas se debruçam sobre a relação entre o telefone celular e a saúde. Agora, um grupo de pesquisadores iranianos fez uma revisão de várias pesquisas para entender os efeitos das ondas eletromagnéticas do aparelho sobre a tireoide, glândula relacionada a processos importantes como batimentos cardíacos, regulação de humor e do ciclo menstrual.
Entre 161 estudos sobre o tema, eles selecionaram 22 que analisavam a ação das frequências mais comuns de aparelhos celulares sobre humanos, animais de laboratório e células de cultivo. A revisão do conjunto foi publicada neste ano na revista científica “Environmental Science and Pollution Research”.
Sete deles mostraram diminuição das células da tireoide, enquanto 11 indicaram alterações nos hormônios T3 e T4, substâncias produzidas pela glândula (veja infográfico). Desses, seis mostraram aumento no nível de T3, enquanto um revelou diminuição. Foi notado ainda aumento do T4 em dois estudos e diminuição em cinco. Alterações no TSH (hormônio produzido no cérebro e que estimula o funcionamento da tireoide) também foram evidenciadas por dez pesquisas.
O desequilíbrio desses hormônios pode levar a hiper ou hipotiroidismo, desordens que alteram o metabolismo do corpo e até o humor. Eles são produzidos a partir da síntese do iodo, que os pesquisadores por trás da revisão científica suspeitam que seja prejudicada pela radiofrequência do celular.
“A exposição ao aparelho influencia negativamente a absorção de iodo pela tireoide ou aumenta a temperatura na glândula”, explicou à reportagem o pesquisador Fakher Rahim, um dos responsáveis pelo levantamento. Isso seria causado, segundo ele, pela ação das micro-ondas do celular sobre as moléculas do corpo. Absorvida, essa energia é o que causaria os danos à glândula, de acordo com os pesquisadores.
O levantamento é finalizado com um alerta sobre o surgimento da tecnologia 5G, o padrão mais moderno de internet móvel, que ainda não chegou ao Brasil. Para os pesquisadores, são necessárias mais análises sobre seus efeitos na saúde.
O professor Claudio Fernandéz, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, concorda. “A gente ainda não sabe qual é o parâmetro para medir e controlar a exposição nas frequências mais altas do 5G”, diz.
Endocrinologistas criticam pesquisa
A médica Fernanda Vaisman, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), afirma que é necessário ter cautela no uso do celular, mas avalia que a revisão iraniana sobre os efeitos dos aparelhos na tireoide é pouco embasada cientificamente. Além de considerar os estudos avaliados antigos (o mais velho é de 2004 e o mais recente, de 2017), ela aponta uma série de falhas.
“Não são controlados para o que sabemos que interfere na função tireoidiana, como idade, ingestão e grau de suficiência de iodo no organismo, entre outros. Esses fatores poderiam ser os responsáveis pelas alterações tireoidianas encontradas e não a radiação do telefone em si. Mas vale ressaltar que alterações provocadas por calor e radiação aparecem muitos anos após o início da exposição, e ela vem crescendo”, comenta.
O médico Hans Graf, que também é membro da SBEM, concorda e diz que a preocupação com o uso do celular em relação à tireoide é alarmista. “A radiologia utilizada em tratamentos de câncer pode causar tumor. Mas o celular com certeza não vai alterar a tireoide”.
Para ele, essa suspeita lembra o boato de que mamografia afetaria a glândula, uma história recorrente que ganhou força quando uma fala falsamente atribuída ao Dr. Dráuzio Varella circulou pela internet. O próprio Ministério da Saúde declarou se tratar de fake news, e o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Sociedade Brasileira de Mastologia também desmentiram a informação.
Professor decidiu não usar o aparelho
O professor Alvaro Salles, do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisa o efeito do celular em tecidos humanos desde que o aparelho começou a se popularizar no Brasil, na década de 90.
Especialista em telecomunicações, ele optou por não utilizar celular. “É uma decisão política, porque se eu acho que faz mal e vejo que a literatura científica aponta para esse lado, por que vou dar mau exemplo?”, explica.
A partir de modelos matemáticos feitos em computador, o professor analisa como a proximidade do equipamento pode prejudicar o corpo, na esteira de indícios de que ela pode estar relacionada ao surgimento de tumores.
Ele lembra que o próprio manual de usuário dos celulares recomenda a distância de alguns centímetros dos aparelhos. “Não sou contra o celular, mas a favor da saúde. Mensagem de texto, fone de ouvido e viva-voz são excelentes alternativas. A distância é nossa amiga”, reforça.