Retrocesso

Vacinas, remédios e tecnologias se perdem em meio ao corte de verbas

Foram cortados R$ 6,7 bilhões para desenvolvimento e pesquisa no Brasil


Publicado em 14 de outubro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Estudos paralisados, laboratórios fechados, pesquisadores sem receber as bolsas e fuga de cérebros para o exterior. Essa é a herança de um desprezo histórico do poder público brasileiro com a área científica. Em cinco anos, as universidades e as organizações de pesquisa nacionais viram desaparecer R$ 6,7 bilhões que seriam destinados a elas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A situação se agravou no ano passado: dos R$ 5,8 bilhões previstos, menos da metade foi liberada.

“Nós estamos percorrendo uma estrada de alta velocidade em direção ao passado”, afirma o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich. Segundo ele, o principal reflexo desse descaso com a ciência é “o atraso imenso no desenvolvimento do país”. “Vivemos em uma sociedade do conhecimento, na qual o protagonismo internacional e o bem-estar da população dependem da capacidade de inovação baseada no avanço científico”, defende Davidovich.

Se a expectativa de vida dos brasileiros passou de 34 anos, em 1900, para 75 anos, em 2015, foi graças à ciência. “Isso por meio da descoberta e da implementação de novas tecnologias para saneamento, vacinas e técnicas terapêuticas. Um exemplo recente foi a resposta imediata da ciência brasileira à epidemia de zika, elucidando sua relação com a microcefalia. Isso foi possível graças ao apoio recebido no passado, de agências como CNPq, Capes, Finep e das fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs)”, afirma o cientista.

Para os especialistas, esse vazio de investimentos vai penalizar o país por décadas, colocando em risco as conquistas já alcançadas. A biomédica Sabrina Lisboa, pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, reforça o protesto. “Se você toma medicamento, se você toma vacina, se você se trata, é graças à ciência. O mesmo vale para a tecnologia. Se hoje você está conectado com o mundo todo, é por causa de pesquisas. Sem ciência, não estaríamos aqui hoje”, frisa.

A matemática italiana Luna LoMonaco, pesquisadora do Instituto de Matemática e Estatística (IME/USP), chegou ao Brasil há quatro anos e meio para fazer seu doutorado. “Vi muitos colegas desistirem de pesquisas incríveis e promissoras porque não conseguiam o investimento necessário. Quem conseguiu ficar, foi se adaptando e trabalhando com o que tinha”, conta.

Segundo Sabrina Lisboa, para não deixar os projetos parados, diversos cientistas tiram dinheiro do próprio bolso. “Você já tem a pesquisa e ganha o edital, mas o dinheiro não sai. O número de pesquisadores endividados porque pagaram sozinhos seus projetos não é pequeno. O pior é quando o dinheiro do empréstimo acaba e fica tudo pela metade do caminho, já que você não pode se comprometer com mais dívidas”, frisa.

Para Angélica Vieira, coordenadora do Laboratório de Microbiota e Imunomodulação (LMI) da UFMG, o impacto maior é para os jovens. “Eles não têm apoio suficiente com os poucos editais de financiamento abertos e acabam desistindo”, avalia.

“Muitos cientistas talentosos vão para outros países, porque lá eles têm os recursos necessários. Já tive experiências na Europa e nos EUA, e sabe o que os cientistas estrangeiros sentem por nós? Um profundo respeito e uma grande consideração, porque eles nos veem fazendo muito com pouco”, afirma Angélica.

Setor é chave para retomar crescimento

O papel da ciência e da tecnologia é fundamental em períodos de crise, pois promove uma recuperação da economia de maneira sustentável, afirma Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciência. Para ele, o Brasil deveria ao menos dobrar o atual investimento na área, que não passa de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).

“A União Europeia planeja usar, em 2020, 3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, e a China, 2,5%. Os EUA investem 2,7%. Coreia do Sul e Israel, mais do que 4%. Em 2008, no auge da crise mundial, o presidente da China anunciou que, apesar da redução da taxa de crescimento, o investimento em pesquisa básica aumentaria em 26%. Hoje, estão à frente dos americanos em tecnologias sofisticadas, como a comunicação quântica”, compara o especialista.

Para recomeçar, Davidovich sugere ter o domínio da tecnologia para o lançamento e a confecção de satélites, do incentivo a energias alternativas, do desenvolvimento de novas tecnologias para a agropecuária e de inovações na área de saúde.

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