Em 2020, quando a pandemia de Covid-19 foi decretada, as escolas foram totalmente fechadas. Começava ali uma jornada de adaptação ao chamado “novo normal”. Em 2021, com as vacinas, veio o regime híbrido. Em 2022, o presencial ainda foi marcado por regras de segurança sanitária. Agora, três anos depois, alunos, professores e pais se preparam para uma “volta às aulas” mais perto do velho normal. Mas, entre antigos desafios, como reorganizar a rotina e comprar o material escolar, novas questões trazidas pela pandemia continuam a preocupar. Saúde mental e defasagem de aprendizado estão no topo dessa lista. “São pontos que não têm mais volta e vão exigir constante acompanhamento. E os ajustes para compensar o atraso ainda vão demorar pelo menos dois anos”, destaca o gerente executivo da Fundação Abrinq, Victor Graça.
Se o desempenho geral dos alunos da rede pública fosse medido em um boletim, todas as notas seriam vermelhas. Ou seja, a educação do Brasil seria reprovada. O último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) está abaixo da média. Para 2021, a meta era nota 6 para os anos iniciais do ensino fundamental (primeiro ao quinto ano), mas o resultado foi 5,8 pontos. Para os anos finais (sexto ao nono ano), a meta era de 5,5, e a nota final foi 5,1. Já para o ensino médio, o esperado era 5,2, mas o resultado final foi de 4,2.
Outro indicador acende um alerta. É o desempenho em português, medido pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Em 2019, 34,4% dos alunos atingiram a proficiência nessa disciplina. Em 2021, essa média caiu para 32,5%. Enquanto isso, o percentual de crianças e adolescentes que ficaram num nível insuficiente de aprendizagem subiu de 43,5% para 49,1%.
“Se não se consegue interpretar um texto, não se consegue resolver um problema de matemática ou um exercício de química, por exemplo, é um dado preocupante. Esses números precisam ser analisados, e as escolas precisam fazer um plano para a retomada, como implementar horário estendido, investir na leitura frequente e contação de histórias para melhorar o entendimento”, destaca Graça.
Pacto pela educação
Já por parte do governo, o desafio é priorizar. “Quando se quer resolver um problema, tem que priorizar. É como quando o Brasil decidiu controlar a inflação e fez um plano para isso. Nós precisamos ter um pacto pela educação”, ressalta o gerente executivo da Abrinq.
Na sua avaliação, os novos desafios dessa primeira “volta às aulas” no estilo “velho normal” não se limitam à defasagem de ensino. “Temos mais duas questões muito sérias, uma delas a nutrição. Com o aumento das pessoas passando fome, é preciso se atentar para isso. E a outra é a saúde mental, que sempre será uma preocupação.
Muitas crianças e adolescentes perderam pais e avós e ainda enfrentam esse luto. Eles ficaram muito tempo em casa, e a socialização ficou comprometida. Essas questões vão precisar de acompanhamento para sempre”, avalia Victor Graça.
Para a psicopedagoga Flávia Alcântara, professora universitária na Estácio, os impactos não se restringem ao aprendizado. “São atrasos generalizados, vejo crianças com atrasos na fala, por exemplo, e adolescentes com dificuldade para tirar a máscara, uma vez que a autopercepção foi totalmente afetada”, ressalta.
Na opinião da psicopedagoga, todos esses reflexos vão exigir das escolas uma constante adaptação, inclusive com mudanças no processo de avaliação. “Existem três formas de avaliar: a diagnóstica, que é para entender quem é o aluno e o que ele precisa aprender; a formativa, que acompanha os alunos e as trocas entre eles; e a somativa, das avaliações, que infelizmente é a mais adotada e desconsidera o processo de aprendizagem para quantificar o resultado por meio das provas. Hoje se percebe uma urgência ainda maior de repensar os critérios avaliativos. Tem aluno que trava na hora da prova e, se ele não alcança a nota esperada, pode desenvolver uma crença equivocada de que não é capaz”, explica Flávia.
Velhos desafios
A praticamente duas semanas da volta às aulas, a psicopedagoga Flávia Alcântara lembra que não dá para esquecer os velhos desafios. Tem que reorganizar a rotina, comprar material escolar, planejar horário não só de estudos, mas também de tarefas. “Recomendo com 15 dias de antecedência já ir colocando horários para dormir e ir organizando o material”, sugere.
Logo para a primeira semana de aula, a especialista indica colocar em prática um plano para toda a família. “A criança tem que entender que todos da casa têm tarefas. E o ideal é fazer um quadro não só com a rotina de estudos, mas também com outros compromissos. Dessa forma, tudo que for relacionado aos estudos será visto como parte de uma rotina, sem ser associado a um processo negativo e doloroso”, recomenda, acrescentando a importância de haver um consenso sobre um tempo ideal de estudo por dia.
“Faça com que a criança participe desse planejamento e defina que matéria vai estudar a cada dia. O diálogo é muito importante, tanto com crianças quanto com adolescentes. Prepare seu filho; pergunte sobre os medos que ele tem em relação à volta às aulas. Se a criança ou o adolescente está com medo, ouça e acolha. Isso é um processo saudável”, destaca.
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