TRADIÇÃO

A arte da farinha artesanal 

Reconhecido por ser um dos poucos que produzem a farinha empaneirada, o paraense Seu Bené mantém procedimentos de origem indígena que revelam a riqueza de uma tradição do Pará

Dom, 04/09/16 - 03h00

Mestre da farinha e da simplicidade, o paraense Benedito Batista da Silva, 70, o Seu Bené, esteve em Belo Horizonte no último sábado (27), onde compartilhou com um grupo de integrantes do curso Sobre o Tempo – promovido pela Guaja Casa– um pouco do que aprendeu em mais de seis décadas de trabalho na lavoura de mandioca. Aqui ele apresentou também o que sabe fazer de melhor: três versões do produto, avaliado como o melhor do mundo durante um evento realizado pela rede de “slow-food” Terra Madre, em Turim. na Itália, em 2007.

Dois anos antes de obter tamanho reconhecimento, Seu Bené já era conhecido como o “professor da farinha”, em razão de um documentário feito por Manuel Carvalho e pela chef e presidente do Instituto Maniva, Teresa Corção. O vídeo, que apresenta Seu Bené e o catarinense Fermínio Nascimento como dois importantes representantes da produção artesanal desse tipo de alimento, contribuiu para que ele recebesse o convite para fazer a viagem a Turim, depois retratada em outro filme, “Seu Bené Vai pra Itália”, também concebido por aquela mesma dupla.

Mais recentemente, em 2015, foi a vez de a chef e documentarista paraense Maria Zienhe Caramêz de Castro, atualmente radicada na capital mineira, visitar o agricultor em sua roça localizada próxima de Bragança, município que fica a 228 km de Belém (PA). O encontro resultou num novo documentário, “Deixa Eu Lhe Dizer”, que foi exibido no último fim de semana e mostra um recorte do cotidiano do personagem, que é aclamado por perpetuar procedimentos na produção da farinha que são oriundos da cultura indígena do Norte do país.

Após a projeção, ele participou de um bate-pap, em que reforçou a maneira como enxerga seu ofício. “Eu quero continuar na mesma simplicidade, como eu comecei. Não quero mudar porque não vai ter no mundo uma tecnologia ou um maquinário que prepare a farinha que eu faço de maneira manual. Eu conheço muita fábrica de farinha feita em forno elétrico, e não é a mesma coisa”, disse ele, que é conhecido por ser um dos poucos a oferecer o ingrediente empaneirado, ou seja, guardado num recipiente feito de folhas e talos da guarumã.

A técnica é de origem indígena e foi aprendida por ele de maneira autodidata ainda na infância. “Eu não cheguei para um professor e disse: ‘me ensine a fazer’, não. Eu fui até uma pessoa que fazia e pedi um para ele e o levei para casa, onde eu comecei a desmanchar um pedaço e depois refazer. Assim, eu fui prestando atenção em como era que aquilo se desmanchava para depois construir de novo. Quando eu senti que já tinha a prática, resolvi fazer um novo”, contou ele.

Analisada por pesquisadores da Unicamp, a embalagem de Seu Bené é certificada como segura e ecológica por estudiosos da universidade, onde ela foi testada em termos de conservação e manutenção das características do alimento, sendo aprovada em todos os quesitos. “O paneiro se tornou meu troféu. Foi com ele que eu consegui chegar onde eu cheguei, e ainda estou chegando”, ressaltou o farinheiro. Afinal, foi o objeto artesanal que chamou a atenção de Teresa Corção no passado e de Zienhe Castro mais recentemente.

“Em 2013, quando eu fiz uma viagem para o exterior, uma amiga me deu um paneiro de presente. Eu não conseguia abrir para tirar a farinha que havia dentro. Então, eu viajei quase um ano pela Europa com esse paneiro na minha mala. Quando eu retornei ao Brasil, eu fui atrás para saber quem tinha feito aquele trabalho que eu fiquei tão apaixonada”, diz a chef e documentarista Zienhe, responsável por mediar a vinda de Seu Bené a Belo Horizonte.

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