Luiz Tito

Luiz Tito escreve de segunda a sábado em O TEMPO

Escola não é padaria

Publicado em: Ter, 05/03/19 - 03h00

Na semana que passou, duas palavras se fizeram exageradamente presentes no imaginário coletivo do país: “nacionalismo” e “exaltação”. Antes do Carnaval, a portaria do ministro Ricardo Vélez para que o hino nacional passasse obrigatoriamente a ser cantado nas escolas provocou reações as mais diversas, nos extremos do apoio e do repúdio, em várias instâncias.

Sem qualquer juízo de certo ou errado em relação à portaria do ministro, é preciso registrar que poucos brasileiros são capazes de cantar nosso hino sem escorregar na belíssima letra construída por Osório Duque Estrada. Talvez seja pela erudição da linguagem, plena de sentimentos de exaltação ao nacionalismo. Sabemos, e isso talvez explique tais escorregadas, que só memorizamos algo quando somos capazes de compreender seu sentido para, assim, estabelecermos a relação entre a fala e o sentimento, para que haja sentido em comunicar o que está proposto em um enunciado.

Poucos sabem ou entendem o que significam expressões, por exemplo, como “impávido colosso”, “penhor da igualdade”, “clava forte” e “lábaro estrelado”. Certamente, o que falta não é o cantar nem a emoção de escutar os acordes da música, perfilados frente à bandeira nacional, mas saber o que se está cantando.

Até mesmo a nossa bandeira é muito diferente de todas as outras, por apresentar cores e formas tão distintas daquelas dos símbolos de outras nações do planeta. Assim como o hino, poucos conhecem sua história e simbolismo. Só se levando em conta suas cores, a grande maioria (eu inclusive) considerava ou ainda considera o verde como representativo das nossas matas; o amarelo, nosso ouro; o azul, nossos mares; o branco, o sentimento de paz; e, por fim, as estrelas, nossos Estados e território. Era, e talvez ainda seja, o que se ensinava às crianças nas nossas escolas.

Nada de mau há nisso; melhor do que nada e aproveitamos para exaltar, com carinho, dádivas de Deus: nossas matas, riquezas minerais, rios e mares. Mas é um ledo engano; historicamente só acertamos na paz do branco. Nada nos impede que assim possamos manter respeitada essa representação, mas, a bem da história, quando da concepção da nossa bandeira, nela o verde representou o brasão da família real portuguesa, os Bragança; o amarelo – cor da dinastia da Áustria – foi nossa homenagem à imperatriz Leopoldina de Habsburgo, que assinou o decreto de nossa Independência, em 1822, lembrando que dom Pedro estava nas margens plácidas do Ipiranga. O azul, uma homenagem a Maria, padroeira de Portugal; e as constelações reproduzem o céu da cidade do Rio de Janeiro às 8h30 do dia 15 de novembro de 1889, data da Proclamação da República.

Para muitos, o acima escrito pode parecer erudição (não minha, eu li no Google) ou fato sem relevância para o momento atual. Como também sem relevância a portaria do ministro da Educação, num momento em que há coisas mais urgentes e significativas, maiores do que essa sua portaria. Urge nessa pasta empreendermos uma agenda de reformas, que regule, por exemplo, o festival de faculdades de tudo e a farra de editoras nas escolas, nas públicas, inclusive. Mas isso é assunto para outro artigo.

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