Pesquisa

Analfabetos funcionais ajudam na proliferação de fake news

Eles são 30% dos brasileiros e têm forte presença nas redes sociais, mas sem capacidade analítica

Qua, 14/11/18 - 02h00

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Três em cada dez brasileiros são considerados analfabetos funcionais. Eles têm limitações para ler, interpretar textos e fazer operações matemáticas em situações do dia a dia. Contudo, estão cada vez mais conectados às redes sociais. É o que mostra uma pesquisa realizada pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), com 2.002 pessoas em todo o país. O estudo aponta que 86% dos entrevistados utilizam o WhatsApp, e 72%, o Facebook.

Um dos maiores impactos da alta presença do analfabetismo funcional no mundo digital é que essas pessoas ficam mais suscetíveis à desinformação, principalmente quando se fala em memes, imagens manipuladas e usadas em contexto falso, como as fake news, por exemplo.

“Não é uma questão de falta de inteligência por parte dessas pessoas, mas de ausência da capacidade de analisar, criticamente e de forma satisfatória, o que chega até elas. Então, é muito maior a chance de compartilharem mensagens com conteúdo distorcido e enganoso, cuja fonte não costuma ser verificada”, explica a pesquisadora Fernanda Cury, uma das coordenadoras do levantamento.

Segundo a especialista, a maior parte dos analfabetos funcionais também não consegue elaborar conteúdo próprio. “Na maioria das vezes, eles curtem as publicações e repassam o que acham interessante, mas não criam coisas próprias”, diz.

Adaptação

Fernanda aponta que tanto o uso do Whatsapp quanto do Facebook por esse público está associado ao envio e ao compartilhamento de vídeos, áudios e emojis, o que facilita a comunicação.

“Essas pessoas encontraram formas mais fáceis de repassar o conteúdo das mensagens no momento em que se comunicam com os outros. Eles evitam, nesse caso, o texto escrito, que é mais difícil de ser interpretado”, explica.

Quem corrobora esse posicionamento é o cientista político Daniel Cara, presidente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Os dados apenas mostram o que já se vinha falando: mesmo em condição de analfabetismo funcional, as pessoas se comunicam da forma que podem, incluindo nas redes sociais”, pontua. Segundo o Inaf, existem dois tipos de analfabetos funcionais: os absolutos e os rudimentares. Os primeiros assinam o nome com dificuldade, mas conseguem, eventualmente, ver preços de produtos, conferir troco, ligar para um número de telefone e identificar um ônibus pelo nome. Já rudimentares só leem o suficiente para conseguir localizar informações explícitas em frases ou textos curtos e sabem somar dezenas, mas não conseguem identificar qual operação matemática é necessária para resolver um problema do cotidiano.

 

Tecnologia é uma forma de inclusão

A rapidez na facilidade do acesso à tecnologia e, consequentemente, à internet por parte dos analfabetos funcionais é vista com ressalva por especialistas. Eles defendem que essa mesma velocidade deve ser empregada para permitir que o contexto digital seja porta de entrada para a inclusão dessas pessoas na educação.

“Tudo hoje é muito rápido e urgente. Deveríamos adotar essa mesma velocidade tecnológica também em prol do avanço dos métodos educacionais”, afirma João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto e PhD em pesquisa educacional pela Universidade da Florida.

Para o cientista político Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, são necessárias ações assertivas. “Se bem aproveitadas, de forma respeitosa, as redes sociais são uma oportunidade de se encontrar e trabalhar com esses cidadãos em condição de analfabetismo funcional”, diz.

Inédito

Dados. Essa é a primeira vez que o Inaf – que pesquisa o analfabetismo desde 2001 – trouxe informações relacionadas à presença dos analfabetos funcionais no contexto digital do país.o

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