Pesquisa

Covid: vírus se aloja nos testículos e pode afetar a fertilidade masculina

Ainda não se sabe se as formas leves e moderadas da doença têm impacto temporário ou definitivo na fertilidade dos homens

Por O Tempo
Publicado em 11 de março de 2022 | 17:38
 
 
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Estudo realizado por médicos e pesquisadores mineiros jogou luz sobre a influência do vírus Sars-Cov2 - que causa a Covid-19 - na infertilidade masculina, e constatou que a doença, afeta diretamente todo o tecido testicular, dos pacientes que faleceram da doença, ou seja pacientes que se manifestaram com a forma grave da doença. Ainda não se sabe se as formas leves e moderadas da doença têm impacto temporário ou definitivo na fertilidade dos homens. A pesquisa foi submetida à revista científica internacional, com revisão de pares, para possível publicação.

A proposta da investigação iniciada em 2020 partiu da constatação de que diversos vírus ficam alojados no testículo, considerado um “santuário viral”. Sabendo disso, o grupo de médicos e pesquisadores capitaneados pelo urologista Marcelo Horta Furtado, que integra o Serviço de Reprodução Humana da Rede Mater Dei de Saúde e se dedica a um mestrado em saúde pública pela Universidade de Harvard, se debruçou sobre a literatura científica e se deparou com um artigo sobre a identificação de alterações importantes nos testículos de seis pacientes que morreram em decorrência da infecção por SARS-CoV-1, no ano de 2006. Muito antes da Covid -19 afligir o mundo, o SARS-CoV-1 foi identificado como agente da epidemia de síndrome respiratória aguda grave (Sars), iniciada na China no fim de 2002.


A partir dessa primeira constatação, a equipe decidiu avançar na investigação. “Após encontrarmos esse indício importante envolvendo o vírus da SARS, outro ponto que nos chamou a atenção foi perceber que o vírus da Covid, o Sars-Cov-2, usa um receptor da membrana celular, abundante no testículo, para infectar as células humanas. Então, nos pareceu ser uma ideia plausível e nos sentimos chamados a contribuir e gerar conhecimentos para a sociedade nesse momento crítico que vivenciamos nos dois últimos dois anos”, diz Marcelo Furtado.


Para levar a investigação científica adiante, os médicos convidaram o pesquisador Guilherme Costa, do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e contaram com a colaboração de uma dezena de pesquisadores da própria universidade mineira, da Universidade Estadual Paulista – São José do Rio Preto (SP) e da Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh (EUA). Juntos, planejaram o estudo envolvendo pacientes que vieram a óbito nos Hospitais da Rede Mater Dei, em decorrência de complicações da Covid-19.

A pesquisa foi autorizada pelo Comitê Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Mater Dei e teve o consentimento legal dos familiares de todos os pacientes. “O objetivo era avaliar se realmente havia acometimento dos testículos, determinar possíveis mecanismos do dano e investigar a presença e persistência do vírus no tecido testicular. E para nossa surpresa, os danos ao tecido testicular foram confirmados em todos os 11 pacientes estudados. Ele mostrou-se mais intenso de acordo com o tempo de internação no CTI, ou seja, quanto mais tempo no CTI mais severo o dano ao órgão”, diz Furtado.

Segundo o médico, durante as observações, a equipe percebeu que todas as células testiculares dos pacientes avaliados estavam afetadas. Não somente as da linhagem germinativa - que dão origem aos espermatozoides -, mas também as células de Leydig, que produzem a testosterona. Notou-se, inclusive, que a testosterona intratesticular encontrava-se bastante diminuída.

“Isso nos indica que o vírus atinge a região vital para a fertilidade masculina, comprometendo todos os tecidos que ali estão e podendo afetar a capacidade reprodutiva do homem”, acrescenta o urologista.

Nanosensores e técnicas modernas - Para a confiabilidade do estudo, foram usadas técnicas modernas, com alto grau de assertividade, como a microscopia eletrônica, marcações imuno-histoquímicas, exames de PCR com “primers” específicos e as realizadas por nanosensores desenvolvidos no Departamento de Microbiologia da UFMG. Foi a partir daí que eles tiveram outra surpresa: “Verificamos que o SARS-CoV-2 ainda estava presente no tecido testicular e com alta capacidade replicativa. Retiramos uma amostra e a submetemos a um teste em células vero, que permitem a replicação celular. Constatamos que os vírus achados nos tecidos testiculares dos pacientes e também nos túbulos seminíferos (túbulos onde são gerados os espermatozoides) ainda tinham capacidade infecciosa”, acrescenta Marcelo Furtado.


A partir desse novo achado, um estudo adicional está sendo realizado em dois grupos de pacientes: assintomáticos ou pouco sintomáticos que tiveram diagnóstico confirmado de Covid-19 e pacientes com sintomatologia moderada/severa, com diagnóstico de Covid-19, mas que se recuperaram após um período de internação hospitalar. Este novo trabalho visa determinar a presença do vírus SARS-CoV-2 no sêmen e avaliar o comprometimento da fertilidade nesses homens, usando métodos tradicionais e de inteligência artificial.

Para o urologista, a pesquisa contribui para o entendimento do comportamento do vírus no corpo humano e sugere alguns mecanismos celulares e moleculares pelo qual ele acomete os tecidos. “Contribui ainda para o desenvolvimento de novas tecnologias para aperfeiçoar o diagnóstico de doenças virais, não apenas da Covid-19. A sociedade precisa entender que todo avanço da medicina de que hoje ela desfruta veio por meio de muita pesquisa científica. O conhecimento da natureza, de como ela funciona, é extremamente importante para que possamos viver uma vida plena e segura. Esta pandemia nos mostrou o quanto ainda temos que avançar no conhecimento da natureza e o quanto precisamos investir em ciência no Brasil, que enfrenta uma concorrência com grupos de pesquisas internacionais”, complementa.