Análise

Desalinho entre discursos de autoridades pode gerar descrença sobre isolamento

Diretor do Ipsos comenta pesquisa do instituto demonstrando que, em uma lista de 15 países, Brasil é segundo que mais desconfia da medida

Por Alex Bessas
Publicado em 24 de abril de 2020 | 19:40
 
 
Praça Sete MARIELA GUIMARÃES/O TEMPO

A maior parte dos brasileiros não acredita na eficácia do isolamento social para a contenção da propagação da Covid-19 e país é o segundo de uma lista de 15 em termos de desconfiança. É o que indica uma pesqisa do instituto Ipsos divulgada na quinta-feira (23).

Em um mês, a crença de que a medida seria eficiente no enfrentamento à pandemia caiu. Anteriormente, 49% não acreditavam na proposta. Agora, são 54%. Na média global, 44% de todos os ouvidos acreditam que o isolamento social não impedirá a disseminação do coronavírus.

"Certamente os desalinhamentos entre narrativas dos governos federal e estaduais não contribuem positivamente para a aceitação das medidas de isolamento social", aponta Fernando Takahashi, diretor do Ipsos. Ele também aponta para outros fatores que podem estar relacionados. 

"O fator econômico é outro pilar que pode impulsionar um relaxamento no isolamento social, uma vez que a população pode se sentir pressionada pela busca de oportunidades de renda", pontua, lembrando que a mesma pesquisa demonstra que 80% das pessoas têm uma percepção de que será bastante provável um cenário de demissões em massa no país.

Mas, ainda que o método não desperta a confiança de maior parte da população, Fernando Takahashi, diretor do Ipsos, acredita ser pouco provável que "um cenário de descrença da doença aconteça dada a velocidade e abrangência da informação sobre o coronavírus, por diferentes meios, que diariamente é compartilhada através de diversos órgãos públicos e privados", avalia. 

"A própria evolução da crise sanitária e propagação da doença é um fato que reafirma a seriedade deste momento. No Brasil ainda estamos em uma curva de crescimento da pandemia", completa.

Para ele, não é possível comprovar a hipótese de que essa crescente desconfiança em relação a eficácia das medidas de isolamento social levem a uma redução do engajamento individual. "Se observarmos, por exemplo, a quantidade de pessoas que declara usar máscaras, identificamos um aumento expressivo no Brasil saltando de 28% ao final de março para 56% nessa oitava onda de abril", aponta.

Índia é país que menos acredita e Espanha é a nação que mais confia

A Espanha é o país que mais acredita que o isolamento social seja eficaz no combate à pandemia. Apenas 34% dos ouvidos localmente sentiam descrença ao método. A nação da península ibérica é seguida pela Austrália, com 35%, e por Canadá, Itália e China, os três empatados com 36%.

Entre os menos otimistas, lidera a Índia, onde 56% dos entrevistados demonstram descrença. Em segundo lugar, há um empate entre Brasil e Alemanha, com 54%. A terceira posição fica com o México, onde metade da população desconfia da medida. 

Entre ocidentais, Brasil é mais otimista em relação à recuperação econômica

A confiança na rápida recuperação econômica do Brasil foi a mais alta entre todos os países ocidentais analisados na pesquisa. Para 46%, país deve retomar o crescimento sem demora.

"O brasileiro é, por natureza, um povo otimista. Se observarmos um indicador global da Ipsos sobre expectativas do brasileiro em relação ao seu próprio futuro econômico e do país, identificamos que, em abril, este indicador está em 60,3, contra uma média global de 50,6", sinaliza Takahashi. 

"Também podemos observar uma série de ações públicas e privadas na tentativa de contenção da crise econômica em diferentes âmbitos. Neste momento, temos observado também muita colaboração e solidariedade dentro das comunidades e vizinhanças, esta mobilização conjunta em diferentes níveis da sociedade pode impactar positivamente na percepção de uma recuperação econômica mais rápida", continua ele, acrescentando, porém, que 49% da população não acreditam na rápida recuperação da economia.

Para o diretor do Ipsos, "é pouco provável que os brasileiros não tenham sido economicamente impactados pela pandemia, mesmo que em um grau menor. As ações de ajuda do governo demonstram a necessidade de ajuda econômica a uma grande parcela da população que é mais vulnerável e trabalha como autônoma, e os planos de contingenciamento no setor privado (redução de jornada, suspensão de contrato de trabalho, etc) também reforçam este impacto na parcela da população que tem contrato de trabalho", avalia. 

Takahashi lembra que dados sobre comportamento de compra dos brasileiros, apurados na oitava onda da pesquisa global da Ipsos, indicam uma possível retração de consumo: 73% das pessoas declararam que vão postergar uma grande compra em função da crise. No final de março, eram 67%.

Vietnã é mais otimista em relação a retomada econômica e Espanha é a mais pessimista

Em relação a expectativa de uma rápida retomada econômica, Brasil ficou atrás apenas do Vietnã, onde 80% dos ouvidos acreditam em recuperação em pouco tempo, da China (68%) e da Índia (63%).

Por outro lado, o pódio entre os que menos confiam em uma recuperação econômica célere é inteiramente europeu: primeiro lugar para a Espanha, com 17%, segundo lugar para a França, 19%, e terceiro para a Itália, 24%.