São Paulo

Familiares relatam drama em SP: 'Minha sogra morreu por falta de vaga na UTI'

Dalva Pereira de Melo teve pneumonia após receber alta de hospital, onde ficou internada por cinco meses por causa da Covid-19

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de março de 2021 | 17:30
 
 
Ala de UTI para pacientes com coronavírus na Santa Casa BH Douglas Magno / AFP

Depois de cinco meses de internação na UTI do Hospital Emílio Ribas por causa de complicações da covid-19, a aposentada Dalva Pereira de Melo melhorou. Teve alta e foi para casa no final de janeiro. Foi uma festa para a família, que adaptou a casa para a reabilitação, inclusive com uma cama hospitalar. Um mês depois da saída do hospital, ela teve pneumonia e precisou ser internada de novo, desta vez no pronto-socorro, em Caieiras, onde morava. A senhora de 67 anos foi intubada na enfermaria do local e aguardou três dias por uma vaga de tratamento intensivo em qualquer hospital de São Paulo. Após três paradas cardíacas, ela não resistiu e morreu no dia 8 de março. 

A permanência no pronto socorro de Caieiras exemplifica o drama da fase atual na pandemia: a angústia pela falta de uma vaga na UTI. Em São Paulo, mais de 100 pessoas assistidas na rede estadual perderam a vida enquanto esperavam por uma vaga. Pelo menos 25 municípios paulistas, incluindo a capital, anotaram óbitos de pacientes que não chegaram a receber tratamento intensivo. A lista considera infectados que deram entrada em unidades de saúde e tiveram a transferência para a UTI por meio da Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross), mas não resistiram. Os motivos vão desde a demora em conseguir um leito, passando pela gravidade do estágio da infecção ou, ainda, a instabilidade do paciente, o que não permitiria o transporte seguro.

Dona Dalva vivenciou esses problemas. Durante o período em que esteve internada, outros 18 pacientes também aguardavam uma vaga pelo sistema Cross. Cinco estavam intubados e não havia mais respiradores. A família afirma que os cuidados com os problemas cardíacos foram pouco considerados, pois não havia estrutura adequada. Profissionais da unidade afirmam que tudo o que poderia ser feito foi realizado, considerando as características do atendimento no pronto socorro. “Acho que a falta de um leito de UTI acarretou a morte dela. Ela não teve essa chance. Poderia dar certo ou não, mas ela não teve essa oportunidade”, diz a nora Eliza dos Reis Rodrigues Monção, dona de casa de 35 anos.

A morte de dona Dalva ocorreu quando a família começava a superar um longo período de luta contra a covid. Foram cinco meses de UTI. Ela chegou a comemorar o aniversário (17 de dezembro), Natal e ano-novo no hospital. Foram 42 dias sedada. Ela teve 80% de comprometimento do pulmão. Além disso, a covid agravou problemas cardíacos que ela já tinha.

“Minha mãe abriu um bar e mercearia na frente de casa para melhorar a renda. Ela fazia as coisas darem. Era a estrutura da família. Até na doença, ela foi guerreira”, diz o filho Rafael Pereira de Melo.

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Essa dor não tem mais CEP ou endereço fixo. Na baiana Ribeira do Pombal, por exemplo, o comerciante José Hélio conta que sua mãe ficou apenas dois dias esperando uma vaga, e não resistiu. Depois de ser atendida na UPA local, que tinha suporte para atendimento, o quadro piorou. Precisava de uma UTI. 

Ela entrou na fila da regulação, termo técnico para a lista de transferências de pacientes para hospitais. No final de fevereiro, havia 195 pessoas esperando leitos. Não deu tempo. “O pessoal do quadro da Secretaria de Saúde fez todo o possível, mas infelizmente não só a minha família e outras famílias passaram e passarão pela mesma situação de falta de leitos e UTIs para atendimento emergencial”, diz o comerciante de 55 anos que também perdeu uma tia para a covid.

O pano de fundo da falta de camas hospitalares é o descontrole geral da pandemia no País. Março já virou o mês dos recordes da pandemia. Treze Estados registraram a maior média de mortes na comparação com todo o período da crise do coronavírus. Em outros dois Estados, a maior marca foi em fevereiro e nas outras 12 unidades da federação, apesar da piora recente, as maiores médias ainda pertencem ao pico do ano passado, mas que tem tudo para ser batido nas próximas semanas.