Fome

Inflação e desemprego afetam alimentação dos brasileiros

Carne de boi foi um dos produtos que sumiram do prato do consumidor

Por Cinthya Oliveira
Publicado em 01 de novembro de 2021 | 04:30
 
 
Tudo caro. Custódia Teixeira conta que o pé de porco “é só o que está dando para comprar”

Pesquisas dos mais diferentes perfis apontam para uma realidade com consequências graves para o presente e o futuro da saúde pública: o brasileiro está se alimentando muito mal. Por um lado, a taxa de desocupação em 13,2% e a inflação acumulada de 10,25% impedem que os mais pobres consigam comprar os alimentos fundamentais para uma dieta minimamente equilibrada. Por outro, a classe média vivenciou uma completa mudança de hábitos imposta pelo isolamento social, provocando um aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, delivery de fast food e bebidas alcoólicas. 

Mesmo com a reativação das atividades econômicas e a aproximação de um estilo de vida mais próximo da realidade pré-pandêmica, é possível que o problema da má alimentação ainda se estenda por um bom tempo. Afinal, fica complicado inserir alimentos mais saudáveis na alimentação quando o quilo do tomate ultrapassa os R$ 7 ou o quilo do acém que dificilmente fica abaixo de R$ 30. 

Uma das principais mudanças foi no consumo de carnes. Verildo Fernandes, subgerente em um açougue no Centro de Belo Horizonte, conta que os campeões de venda hoje são pé e orelha de porco, suã, além de miúdos e pé de frango. “A carne vermelha não vende muito. Moída até sai, mas bife não tem saído. Quando sai, a pessoa nem pede mais pelo quilo, mas pelo número de bifes”, relata. 

A empregada doméstica Custódia Teixeira, 64, é uma das clientes do açougue. O que deu para comprar foi um pouco de pé e orelha de porco “para deixar o feijão mais gostoso”. 

“Antes eu ia no açougue e fazia compra maior de carne, agora esse mês já não deu. 

Antigamente comprava de tudo um pouco, até bife e carne moída, mas agora não dá para comprar mais. Agora só compro quando tem o dinheiro, porque tá tudo pela hora da morte. Até mesmo o pé de galinha, que era o que tinha de mais barato, ficou caro”, conta. 

Como o consumo dessas partes menos nobres de carne aumentou, o preço acompanhou a demanda. O quilo da orelha de porco custa cerca de R$ 4,99, enquanto o quilo do pé de frango sai por R$ 6,99 no açougue visitado pela redação. 

Para o economista Feliciano Abreu, coordenador do site Mercado Mineiro, a inflação obrigou o brasileiro a abaixar a qualidade da alimentação e ter de recorrer a cortes de carne mais baratos para dar conta de levar um pouco de proteína para o prato. “Nós notamos que alguns supermercados começaram a ofertar e divulgar ofertas de produtos que não eram consumidos e divulgados com muita frequência. Colocam agora (no mostrador) pé de frango, mocotó e recorte de costela suína (suã), porque tem crescido o consumo”, diz. 

Segundo a dona de um açougue no Centro de BH, que preferiu não se identificar, o pé de frango está em alta porque entrou “na moda”, por ser um alimento rico em colágeno. Mesmo com o apelo nutritivo desse alimento, Abreu acredita que a redução da renda também interferiu nesse “sucesso” e pode haver muitas pessoas com vergonha de dizer que estão vivendo uma queda no padrão de consumo.