Análise

Protestos são um marco, mas devem ter foco

Especialistas afirmam que movimentos podem se esvaziar sem lideranças e objetivos definidos

Qua, 19/06/13 - 03h00
Em São João del Rei, 5.000 pessoas ocuparam as ruas da cidade | Foto: André Azevedo/Divulgação

Os protestos que se espalharam pelo país nos últimos dias são a primeira grande manifestação brasileira no século XXI. Mais do que isso, o encontro “presencial” da chamada geração Y – desacostumada a se curvar às lideranças tradicionais – gerou uma nova forma de interação social que surpreendeu os acostumados com mobilizações tradicionais, oriundas de sindicatos, movimentos sociais e partidos.

De outro lado, o maior risco é que as manifestações sem lideranças e sem objetivos definidos caiam no vazio e acabem no ostracismo. De maneira geral, essa é a opinião de especialistas ouvidos, ontem, por O TEMPO.

Para o sociólogo Rudá Ricci, o movimento criou uma nova era e, de fato, é um marco da “sociedade da informação”. Porém, para ele, o maior risco é que os jovens e o governo não consigam “falar a mesma língua”. “Se isso acontecer e o movimento da juventude continuar sem líderes, ele pode perder força facilmente”, analisa Rudá.

O coordenador do curso de ciências sociais da PUC Minas, Manoel Neto, já percebe algumas tentativas de partidarização do movimento, o que serviria para enfraquecer o processo. “A esquerda e a direita já tentam se apossar do que está sendo feito por essa nova geração. Mas a questão é que esse processo começou de maneira apartidária”, avalia.

O apartidarismo da manifestação de base é comprovado por uma pesquisa do Datafolha. O estudo mostra que 84% dos paulistanos que foram para a rua na última segunda-feira não têm preferência por qualquer partido político.

O mesmo levantamento evidencia a falta de foco das manifestações. Dos pesquisados, 56% protestavam contra o aumento das passagens, 40% contra a corrupção, 31% contra a violência/repressão, 27% por transporte de mais qualidade, 24% contra os políticos e 14% pela tarifa zero/passe livre (as respostas às perguntas foram livres e múltiplas).

Na opinião de Rudá Ricci, o movimento precisa definir focos para não ter de pagar o preço da queda de mobilização. “Se eles conseguirem convergir para uma ou duas reivindicações gerais, para os governos, é o pior. Isso porque eles estarão unidos. Mas se forem radicais também, o governo não cederá”, diz.

O cientista político Cristiano Noronha vai na mesma linha e afirma que a continuidade dos movimentos depende das respostas de governo. Para ele, os primeiros frutos das manifestações começam a aparecer agora. “Se os agentes políticos cederem em alguns pontos, a tendência é que, mais cedo ou mais tarde, essas manifestações parem”, afirma.

VIOLÊNCIA. À luz da psicologia, o maior temor é que a falta de objetivos claros das manifestações gere violência. “Quando há tarefas definidas, temos um grupo. Quando não há, o que existe é um grupamento heterogêneo, acéfalo. Isso pode fazer com que os vândalos atuem com mais força. A consequência disso é a violência”, analisa o psicólogo Douglas Amorim.

 

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