Estudo

Acesso a remédio ou tratamento ‘especiais’ fica à mercê da sorte

Pesquisadora da PUC Minas revela que não há critério nas decisões judiciais sobre pedidos de procedimento

Dom, 22/06/14 - 03h00
Medicação. Adriana Kate de Azevedo, 37, buscará na Justiça segundo remédio para a mãe, Geralda Maria Barbosa | Foto: MARIELA GUIMARAES / O TEMPO

Quatro votos a favor e cinco contra. A decisão acirrada tinha em jogo a vida de uma paciente com câncer de Belo Horizonte, que pedia na Justiça o direito de receber do Estado um remédio sem registro no Brasil, mas indicado como o único para aliviar suas dores e combater a doença. Por diferença de um voto, ela perdeu a causa, que havia sido ganha em primeira instância. Um exemplo real da divergência entre magistrados, que se repete em outros milhares de processos similares cada vez mais comuns nas varas cíveis – tendência chamada de “judicialização da saúde”.
 

Estudo feito pela pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Talita Viza Dias mostra que faltam critérios claros que norteiem os julgamentos sobre o tema. Mais do que mérito ou justiça, a pessoa precisa contar, em primeiro lugar, com a sorte de pegar um juiz ou grupo de desembargadores que não tenha opinião radical contra os pedidos. “Cada magistrado tem uma pré-concepção, alguns são mais liberais, outros conservadores, alguns pensam mais no Estado, outros na Constituição. Com base nessas visões, cada um faz sua interpretação”, afirma Talita.

O próprio Comitê Executivo Estadual de Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) admite que há divergências e necessidade de discussões sobre parâmetros. Estimativa feita pela desembargadora Evangelina Castilho, integrante do comitê, mostra que, das ações judiciais de direito à saúde no sistema público, 60%, em média, têm parecer favorável ao paciente e os outros 40% são contrárias. Quando a pessoa cobra serviço dos planos de saúde privados, a contradição é menor: 80% acatam o pedido.

“O direito à saúde é uma matéria nova, discutida há menos de dez anos. O comitê tem baixado orientações, mas cada caso tem um individualismo”, diz Evangelina. O coordenador do Comitê Executivo Estadual de Saúde, juiz Renato Luís Dresch, acredita que a divergência é natural até certo ponto pelo fato de a área jurídica não ser uma ciência exata, mas há interpretações erradas. “Muitas vezes o magistrado é levado ao erro até por não ter domínio de questões técnicas da saúde.”

Estudo. Mestre em direito processual, Talita Viza Dias fez um levantamento de 1.947 decisões referentes ao direito à saúde. Dessas, ela selecionou a ação da paciente com câncer citada acima como objeto de estudo, por ser um exemplo clássico das diversas opiniões.

Esse caso é o de uma mulher de 61 anos (nome não identificado para preservar a família) com câncer na medula óssea. Em 2010, o médico indicou que ela tomasse o remédio lenalidomida por “ser o único eficaz no combate à doença”, mas que não tinha registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Em recurso julgado no 3º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), quatro desembargadores foram a favor da concessão embasados no artigo 196 da Constituição, que coloca a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, e também por defenderem que, embora o remédio não tenha registro na Anvisa, ele era utilizado em outros países. Outros cinco, por sua vez, foram contrários justamente pela falta de registro na Anvisa ou por considerar que o orçamento do governo é limitado e que cabe ao poder público regular o serviço.

Quando a decisão saiu, em julho de 2011, oito meses após o pedido da paciente, ela já havia morrido, segundo o estudo.

Números de processos e de gastos públicos

Aumento.
Dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES) mostram que cresce a cada ano o número de pedidos na Justiça por remédios ou tratamentos. Em 2012, foram 7.243; em 2013, 9.121, aumento de 25,92%.

Atual. Já neste ano, de janeiro a 12 de junho, a SES registrou 4.450 processos. Já a Secretaria Municipal de Saúde da capital relatou 457 casos.

Verba. Para cumprir as decisões judiciais, a SES gastou R$ 142,9 milhões em 2012, R$ 204,9 mi em 2013 e R$ 50,5 mi neste ano.

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