Crime

Após 9 anos, local do corpo de Eliza Samudio ainda é mistério

Delegada e promotor que atuaram no caso relembram momentos tensos do fim de junho de 2010

Seg, 24/06/19 - 03h00
Desaparecida. Morte de Eliza Samudio levou à condenação do goleiro Bruno e de seus comparsas, mas até hoje corpo dela não foi achado | Foto: Felipe O'Neill/Agência O Dia/AE - 14.10.2009

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Noite de quinta-feira, 24 de junho de 2010. Fim de expediente na Delegacia de Homicídios de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. O telefone toca e, do outro lado da linha, uma pessoa anônima informa que a ex-modelo Eliza Samudio foi cruelmente assassinada pelo então goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes, e que o corpo dela foi ocultado em um sítio do atleta na cidade vizinha de Esmeraldas, na mesma região.

Começava ali, há exatamente nove anos, completados nesta segunda-feira (24), a ser revelada uma trama macabra que parece não ter fim, pois, até hoje, o corpo da ex-modelo não foi encontrado. “A denúncia dizia ainda que o filho de Eliza estaria escondido em um sítio na região de Esmeraldas”, recorda-se a delegada Alessandra Wilke.

Os nove envolvidos na morte de Eliza e no sequestro e cárcere privado de Bruninho, filho dela, hoje com 9 anos, já foram julgados, condenados ou absolvidos. Mas, até hoje, o mistério do paradeiro do corpo intriga todos.

O promotor de Justiça que atuou no caso, Henry Wagner Vasconcelos de Castro, acredita que o corpo da ex-modelo tenha sido destruído pelo ex-policial civil Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, condenado a 22 anos pela execução e pela ocultação de cadáver da vítima. “Ou, caso ainda exista esse corpo, há a possibilidade de, onde ele estiver, haver outros, dado o perfil do agente executor, um sujeito comprovadamente dedicado à prática de homicídios, notadamente, por encomenda”, afirma.

Dois erros

Para Henry, o crime foi bem tramado, mas os acusados cometeram dois “erros” importantes, sem os quais poderiam ter saído impunes. Um deles foi o veículo Range Rover usado no sequestro de Eliza no Rio de Janeiro, em 4 de junho de 2010, e para trazê-la para Minas. O carro foi apreendido pela Polícia Militar numa blitz em 8 de junho, em Contagem, na região metropolitana, quando estava sendo levado para serem lavadas marcas de sangue da vítima.

“Apreendido o veículo, os acusados mantiveram o plano de extermínio de Eliza, o que se consumou dois dias depois. Quando Eliza foi morta, o veículo com o sangue dela já se encontrava em poder das autoridades. Certamente, se houvesse mais prudência por parte deles, o plano teria sido abortado com a apreensão do veículo”, diz Henry. Outro equívoco foi Bola ter poupado a vida da criança. “Há indicativos no processo de que a eliminação da criança também havia sido proposta”, explica.

O menino foi entregue a desconhecidos e resgatado pela delegada Alessandra na madrugada de 26 de junho, em Ribeirão das Neves, também na região metropolitana. “Dos meus 13 anos de polícia, o momento mais emocionante foi quando achei esse bebê, às 4h da manhã. Tinha certeza de que se eu não o achasse naquele dia, talvez ele nem vivo estivesse (hoje)”, acredita.

Policiais se preparavam para curtir feriado

Na noite da denúncia que revelou o assassinato de Eliza Samudio, os policiais da Homicídios de Contagem já se preparavam para o feriado no dia seguinte, quando a seleção brasileira entraria em campo contra Portugal, pela Copa do Mundo na África do Sul.

Na mesma madrugada, Alessandra Wilke conseguiu falar por telefone com duas amigas de Eliza no Rio de Janeiro. “Elas disseram que não viam a Eliza havia algum tempo, desde que ela saiu para ir se encontrar com o Bruno”, lembra Alessandra.

Enquanto aguardavam do juiz de plantão o mandado de busca e de apreensão no sítio do goleiro, policiais de campana visualizaram o bebê no local, aos cuidados da então mulher de Bruno, Dayanne Rodrigues. Eliza já tinha sido morta, em 10 de junho.

“No intervalo em que os policiais saíram para buscar o mandado, Bruno, que estava no Rio, tomou conhecimento da investigação em Minas e determinou que todos abandonassem o sítio às pressas”, conta a delegada. O sítio foi encontrado aberto e sem ninguém.

“Todos saíram às pressas e esconderam o bebê”, completa a delegada, lembrando que fraldas foram encontradas no local.

Bruninho hoje consola a avó

Embora cercado de amor e de cuidados psicológicos, Bruninho, como o filho de Eliza é chamado, hoje tem 9 anos, já sabe o que aconteceu com a mãe e busca respostas para entender o que levou o pai, o goleiro Bruno, a cometer tamanha atrocidade. Para acalmar o coração, o garoto, que mora em Campo Grande (MS) com a avó materna, Sônia de Fátima Moura, joga futebol no time da escola e canta na igreja evangélica que frequenta.

“Até agora, a gente não consegue observar qual o sentimento do Bruninho em relação a esse pai. A gente sabe que hoje ele fala quem é o pai dele, que as crianças na escola perguntam, e ele responde que o pai matou a mãe, que o pai está preso porque matou a mãe dele. Essa questão psicológica dele a gente vai saber com o tempo”, diz a advogada Maria Lúcia Vargem Gomes, contratada pela avó do garoto para defender os direitos do neto, que não recebe pensão do pai, segundo ela.

Bruninho estuda em Campo Grande e passa os fins de semana e os feriados no sítio com a avó, no distrito de Anhanduí. “Observo que ele não exprime nenhum sentimento de revolta. Percebo que ele quer saber o que aconteceu e tem uma certa curiosidade de saber o resultado desse crime”, comenta a advogada.

Bruninho é cuidadoso ao comentar o caso com a avó. “Ele sabe o dia do aniversário da mãe e quando se aproxima o Dia das Mães. Quando ele percebe que a avó está emocionada ou em uma situação em que ela tenta esconder essa emoção dele, logo diz: ‘Eu não quero que você chore. Eu estou aqui’. Então, percebo que ele quer dar suporte para a avó. Ele diz que a mãe dele não está ali, mas que ele vai cuidar dela”, conta a advogada.

A defesa do goleiro não quis se manifestar.

Vaivém na Justiça

Paternidade

O goleiro Bruno ajuizou uma ação na Justiça para negar a paternidade já reconhecida de Bruninho, sob o argumento de que o reconhecimento foi sem a manifestação da vontade dele e sem exame de DNA. O recurso, no entanto, foi indeferido no dia 13 de junho pela Justiça de Goiás.

Falta grave

Bruno cumpre pena de 20 anos e nove meses de prisão em Varginha, no Sul de Minas. Na quarta-feira, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais não julgou, por falta de provas, o recurso para cancelar a sentença que o mandou de volta ao regime fechado após ser flagrado em um bar com duas mulheres e cerveja.

Feminicídio

Antes da lei. Para o delegado Edson Moreira, a morte de Eliza foi um feminicídio muito antes da aprovação da lei, em 2015, pela Câmara dos Deputados, da qual ele participou enquanto deputado.

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