Itabirito

Barragem já estava saturada 

Falhas indicam problema de drenagem que, se não forem corrigidos, podem causar rompimento

Ter, 16/09/14 - 03h00
Buscas. Sexto dia de trabalho dos bombeiros foi encerrado sem sucesso; trabalhador Adilson Batista está desaparecido | Foto: Alex de Jesus/O Tempo

Além de rachaduras apontadas em auditoria e de infiltrações relatadas por trabalhadores, a barragem que desabou na semana passada em Itabirito, na região Central de Minas, apresentava assoreamento e acúmulo de água em sua superfície. Os problemas foram detectados em auditorias realizadas nos últimos dois anos e, segundo especialistas na área, indicam problemas de drenagem que, se não forem corrigidos de imediato, podem causar pressão na estrutura do reservatório e levar ao rompimento.
 

Na última quarta-feira, toneladas de água e minério que vazaram da barragem B1 da empresa Herculano Mineração causaram a morte de dois trabalhadores da empresa e devastação ambiental. Um terceiro funcionário, Adilson Batista, 43, continua sendo procurado. Empregados do local contaram à reportagem que já haviam denunciado problemas no reservatório. Relatórios de auditorias entregues entre em 2012 e 2013 à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), ligada à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), também apontavam o problema. Por meio de sua assessoria, a Herculano informou que a barragem tinha estabilidade e licenças ambiental e de operação.

RISCOS. Conforme O TEMPO adiantou, vistoria externa detectou, no ano passado, que a B1 tinha processos erosivos no talude (barreira de rejeitos) que sustenta a barragem, o que foi chamado de “rachaduras” pelo diretor de Gestão de Resíduos do órgão, Renato Brandão. Em nota, a Feam informou ainda que o auditor “reforçou a necessidade de melhorias no sistema de drenagem superficial para diminuir o acúmulo de água na estrutura da B1”.

O coordenador do Núcleo de Emergências Ambientais (NEA) da Semad, Milton Franco, disse que, embora ainda não seja possível apontar as causas do acidente, o acúmulo de água é uma falha que pode oferecer risco. “Se houver excesso de água, o minério vai escorregar, e isso causa o risco à estrutura”, disse Franco. “Em tese, quando há mais água que o dimensionado, pode haver rachadura, problema na estrutura e abatimento”, completou o engenheiro civil Clémenceau Chiabi Saliba, diretor do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Minas (Ibape-MG).

Apesar do problema, o auditor recomendou correções, mas concluiu que a B1 tinha estabilidade. Diante do resultado, não houve fiscalização por parte da Feam no local desde 2013. No entanto, relatórios enviados à Feam em 2012 já revelavam problemas de drenagem. Segundo o órgão, a auditoria daquele ano constatou a “saturação em taludes de jusante e o assoreamento excessivo do reservatório”, o que exigia uma avaliação e elaboração de estudo de diagnóstico e de medidas para a solução do problema. “Foi recomendada a priorização das drenagens superficiais do talude, visando evitar processos erosivos no maciço”, declarou, em nota.

Saliba explicou que a saturação do talude indica que está havendo acúmulo de material na estrutura. “Quer dizer que o sistema de drenagem não está funcionando bem e, aí sim, é preciso haver correção rápida. Não quer dizer que vai cair de imediato, mas é um aviso de que algo não estava bom”.

Após a auditoria de 2012, que concluiu pela “não garantia da estabilidade da barragem”, a Feam chegou a fiscalizar o local naquele mesmo ano, mas não houve autuação ou interdição porque foi “constatado o início das adequações recomendadas pelo auditor”.

Mais falhas. Trabalhadores da Herculano também disseram já ter denunciado ao setor de segurança do trabalho da mineradora a presença de infiltração e o uso de baias, recipientes para armazenamento de rejeitos de minério dentro da barragem, conforme O TEMPO adiantou na semana passada.

“A Herculano Mineração não solicitou autorização para a construção de baias. Essa ação caracteriza uma operação sem licença, sendo a empresa passível de multa e suspensão de atividade”, informou a Feam.

Vida útil

Capacidade. Reportagem de O TEMPO mostrou ainda que documento da Semad de 2009 já apontava que a vida útil da barragem B1, que se rompeu, estava no fim. Apesar da constatação, o reservatório voltou a ser usado há cerca de um mês.

Emergencial
A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) informou que a contenção emergencial na barragem B3, abalada com o rompimento da B1, está em execução. A Herculano Mineração declarou, em nota, que a recuperação da erosão foi concluída e que vai finalizar o reforço do maciço do reservatório no decorrer desta semana, “eliminando o risco de qualquer novo rompimento”. A empresa recebeu a Superintendência Regional de Regularização Ambiental (Supram) para avaliar medidas de contenção em médio e longo prazo e garantiu que a situação da barragem B1 “está acomodada”.

Buscas seguem, e família cobra apoio psicológico
Falta de ar e pressão alta são alguns dos efeitos da dor sentida por Maria das Graças Santos Batista, 64, diante da espera por notícias do filho Adilson Batista, desaparecido na última quarta-feira, quando trabalhava na barragem da Herculano Mineração. Sem poder ficar sozinha, ela precisou deixar sua casa, onde vivia com o filho, e ir para a moradia da filha Patrícia Aparecida Batista, 35.

A família reclama de falta de assistência da Herculano. “Não tivemos sequer atendimento psicológico”, relatou o filho de Batista, Fernando Rodrigues Batista, 23. Já a mineradora informou que contratou psicólogos para atender as famílias e que as buscas são acompanhadas por parentes da vítima.

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