Esperança

Bombeiros travam luta contra o tempo pelos 22 desaparecidos em Brumadinho

Período de estiagem é considerado janela crucial para achar corpos; vínculo afetivo com vítimas, que são chamadas de ‘joias’, é cada vez maior

Dom, 18/08/19 - 03h00

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“Verdadeiras joias”. É assim que as sete mulheres e os 15 homens que ainda estão desaparecidos no que restou da barragem da Vale na mina de Córrego de Feijão, em Brumadinho, são tratados pelos bombeiros. Passados exatos 205 dias desde o rompimento da estrutura, os militares reconhecem que estão numa corrida contra o tempo. 

Até a vinda da chuva, em outubro, há dois meses de margem, período em que os bombeiros esperam conseguir concluir com êxito a maior operação de resgate da história do país. “O período de estiagem, que tem seu ápice agora, abre para nós a melhor janela de oportunidade. É quando os drones que registram alterações magnéticas melhor funcionam, é quando os cães farejadores têm melhores índices de acerto. Esse é o momento para que os ainda desaparecidos sejam identificados”, explica o capitão do Corpo de Bombeiros, Josias Soares. 

A pressão do relógio, porém, não diminui a convicção dos militares de que vão ter sucesso nas buscas. “Acredito muito que vamos encontrar essas 22 ‘joias’”, assegura o capitão Josias. De agora em diante, é aliar técnica e inteligência nas ações de resgate com a força da esperança.

Desde o primeiro momento, ainda em janeiro, quando 450 agentes foram a campo nas buscas pelo maior número de vítimas com vida, um sentido de urgência e cuidado pauta o trabalho das equipes de resgate. Agora, mesmo que não existam mais chances de sobrevivência, a corrida contra o tempo segue impondo aos bombeiros um ritmo insone de trabalho.

“Todos os dias, depois de concluir os trabalhos in loco, seguimos trabalhando com cálculos, pensando estratégias. É difícil dizer quantas horas de sono temos, mas são poucas”, confirma o capitão.

Vínculo. Na sala de operações montada em Brumadinho, militares se dedicam a calcular possíveis trajetórias impostas pela lama às vítimas ainda não encontradas.

Mapas de calor cruzam dados sobre a localização original onde a pessoa estava no momento do rompimento e os locais onde outros corpos ou itens pessoais foram encontrados – além de se levar em consideração o sentido e a força do mar de lama, os obstáculos que havia no caminho e dados de toda ordem.

Impossível dizer, todavia, que haja alguma frieza matemática ali. Além dos monitores e dos mapas e das bandeiras enlameadas do Brasil e de Minas, são sensíveis o apelo e a relação de proximidade que os bombeiros criaram com as pessoas que eles procuram. Nas paredes e nas telas dos computadores estão as fotos de cada uma das “joias” desaparecidas. 

Os agentes sabem as roupas que eles usavam, as tatuagens que rabiscaram no corpo. Nenhum detalhe passa desapercebido. À frente da base, a major Daniela Lopes Rocha da Costa reconhece o vínculo criado e garante: “não vamos descansar até concluir a missão”.

Estratégias de buscas são minuciosas

Todos os dias, bombeiros reviram blocos de até 3 m de profundidade de rejeitos. Fazem isso por três vezes seguidas na expectativa de encontrar algum vestígio que leve a uma das 22 pessoas desaparecidas. 

Em outra frente, são realizadas perfurações de até 6 m do solo de forma que, da circunferência aberta, saiam odores que apontem presença de corpos humanos. 

A estratégia foi estatisticamente calculada. “O que estamos buscando fazer é tentar percorrer superficialmente a maior quantidade de área possível, uma vez que nossos estudos apontam que cerca de 93% dos corpos foram encontrados em uma profundidade de até 3 m”, explica o tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros.

“Por meio dessa abordagem temos uma possibilidade maior de fazer a localização”, completa o tenente, reforçando que a varredura deve ser feita antes do período chuvoso. Os bombeiros não falam em cessar a operação quando a chuva chegar e dizem que novas estratégias devem ser pensadas.

Histórias. Há, ainda, algo de simbólico nas operações das ações estratégicas. Ao revirar e perfurar blocos de rejeitos, é como se voltassem a mexer nas histórias daqueles que perderam entes.

Que essas histórias são constantemente remexidas é algo que se percebe, mesmo em conversas breves com familiares de vítimas da tragédia. Uma mãe que ainda não encontrou seu filho reconheceu ainda ter esperança de que o corpo seja encontrado. Desde que o valor das indenizações foi divulgado, ela teme que a exposição possa trazer ainda mais dor e, por isso, prefere não ter o nome revelado.

Essa mãe acompanha de perto cada nova ação colocada em prática pelos bombeiros. Toda semana, ela participa, ao lado de outras mães, de uma reunião com os militares. No encontro reservado, muitos familiares vão vestidos com camisas estampadas com as fotos dos que ainda estão desaparecidos.

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