A Polícia Civil realizou, nesta sexta-feira (24), diversas oitivas e diligências a respeito do caso de cárcere privado envolvendo duas crianças, de 6 e 9 anos, encontradas em um apartamento no bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte. De acordo com fontes ligadas à investigação, a maioria dos depoimentos será colhida na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA) no Carlos Prates, na região Noroeste da capital. A expectativa é que seja colhido na delegacia o depoimento de todas as pessoas que residiram no último ano no apartamento onde as crianças foram encontradas. 

Até o momento, as únicas pessoas que foram ouvidas fora da delegacia foram as crianças. Elas ainda estão internadas no Hospital Odilon Behrens. Na unidade de saúde, os policiais colheram o depoimento dos meninos acompanhados de assistentes sociais e psicólogos. O esperado é que as oitivas sejam finalizadas na semana que vem. 

Ainda conforme fontes ligadas à investigação, a mulher acusada de manter os meninos em cárcere privado ainda é procurada. Acredita-se que ela esteja escondida na região metropolitana, por ter renda por meio de aluguéis de imóveis localizados em um mesmo terreno na cidade de São Joaquim de Bicas. 

O pai das crianças, que as informações iniciais davam conta de que teria morrido de Covid-19 em 2020, está sendo procurado. O atestado de óbito do homem ainda não foi localizado. Caso a certidão de morte não seja localizada, ele poderá entrar para a lista de desaparecidos da Polícia Civil.

Entenda o caso

O resgate

As crianças, de seis e nove anos, foram resgatadas na terça-feira, 21 de fevereiro, trancadas em um apartamento do bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte. Segundo a Polícia Militar, elas estavam com sintomas de desnutrição e febre. Elas ficaram trancadas por três dias, sem alimentação.  

Conforme informado pela polícia, as vítimas estavam magras, usavam roupas sujas e o ambiente onde elas estavam era escuro e encardido. Após o resgate, as crianças foram encaminhadas para o hospital Odilon Behrens, no bairro São Cristóvão. 

A denúncia

A denúncia foi feita por uma vizinha, a vendedora Poliana Pereira dos Santos, de 37 anos. Ela acionou a polícia depois que percebeu que elas estavam sozinhas no apartamento e sem o auxílio de familiares. Ela tentou alimentar as crianças por um buraco na parede do apartamento. A porta da residência onde elas estavam foi trancada com um cadeado e correntes. 

O local em que as crianças estavam

Conforme a denunciante, no local em que as crianças estavam, havia uma vasilha de comida com bicho. Em entrevista ao TEMPO, ela descreveu o cenário. "Encontramos muita sujeira, o cheiro era tão forte que, quando os policiais abriram a porta, nem eles aguentaram. A gente se emocionou muito quando vimos os dois, com os bracinhos fininhos, um deles sem conseguir nem falar. Aí começamos a chorar. Aqui tudo sujo, tudo podre, vasilha com bichos, colchão no chão", relatou.

Menino sentiu cheiro de churrasco e pediu comida

Uma das crianças resgatadas pediu um pouco de comida para a vizinha depois que sentiu o cheiro do churrasco que era feito por ela. "Meu sobrinho estava andando de bicicleta aqui e, pelo buraquinho, ele viu e pediu um pouco de comida. Meu sobrinho, que tem mais ou menos a idade dele, veio até mim e contou. Fui até a porta e vi os dois, um deles disse que estava com fome e pediu churrasco para ele e o irmão. Pedi para ele abrir a porta, e ele falou que podia ser por ali mesmo. Falei que a vasilha não cabia no buraco. Ele, então, sugeriu que eu colocasse em uma sacolinha e disse 'eu estou com muita fome, me dá churrasco'",  detalhou a vendedora Poliana dos Santos, de 37 anos, responsável por fazer a denúncia para a polícia.

A criança disse para a vendedora que elas estavam acompanhadas da avó. No entanto, o menino voltou a pedir comida durante a noite daquele dia, o que intrigou a vizinha e indicou de que elas estariam sozinhas.

Os responsáveis pelas crianças

A investigação apontou que as crianças são filhas de uma mulher, de 30 anos, que foi presa por maus-tratos a outro filho, morto no último dia 6 de fevereiro. O caso foi registrado em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital. De acordo com o boletim de ocorrência, no início do mês, a mulher levou o filho de 4 anos ao médico, mas a criança já estava morta. O menino chegou com lesões no olho, inchaço no pé e queimaduras no tornozelo.

O pai biológico das crianças, segundo a apuração do caso, teria morrido de Covid-19, em 2020. Em depoimento à polícia, uma das vítimas resgatadas no apartamento, na última terça-feira (21), informou que elas haviam vindo de São Joaquim de Bicas, na semana anterior ao resgate, e que a avó teria passado a noite de sábado (18) com elas, mas não retornou. 

Em uma carta escrita de dentro do presídio de Vespasiano, Kátia Cristina, de 30 anos, mãe dos dois meninos de 6 e 9 anos que foram resgatados trancados em um apartamento no bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte, pediu que o seu irmão, que está na capital mineira, "proteja" os seus filhos. Além dos dois garotos, ela ainda tem duas meninas, de 1 e 2 anos, que estão em um abrigo em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital mineira. 

No texto, que O TEMPO teve acesso com exclusividade nesta sexta-feira (24), a mulher começa pedindo perdão ao irmão. "Me perdoa por tudo que está acontecendo", escreveu. "Proteja os meninos por favor, se você pode cuidar deles, pois não sei quando sairei daqui", continua Kátia.

O irmão dela está, desde quinta-feira (23), acompanhando os dois garotos no Hospital Odilon Behrens. Eles estão internados no local após serem resgatados com sinais de desnutrição no apartamento, que estava trancado com uma corrente. Os garotos foram localizados após sentirem cheiro de churrasco que era feito na casa vizinha e pedirem um pouco de comida. 

Em seguida, Kátia ainda afirma que, se o irmão quiser a guarda dos filhos, "pode pedir que eu assino". A mulher está presa desde o dia 6 de fevereiro, quando levou o filho de 4 anos para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) já sem vida. Ela estava acompanhada, na ocasião, de um homem de 31 anos que, no dia seguinte, acabou preso sob suspeita de envolvimento no crime. 

Mulher teme pela vida do irmão

Apesar da suspeita de maus-tratos contra o filho de 4 anos que recai sobre Kátia, os advogados acreditam que ela e a família tenham sido vítimas de uma quadrilha que alicia pessoas e as força ao trabalho análogo à escravidão. O garotinho morreu.

A investigação

A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o caso e, até o momento, a mulher que estaria cuidando e teria abandonado as crianças no local ainda não foi identificada e presa. O Ministério Público de Minas Gerais informou, por meio de nota, que o caso é investigado e que as informações estão sob sigilo.