Caso viaduto

Carta de servidores denuncia problemas internos na Sudecap

Documento, assinado pelas associações de servidores e engenheiros da Sudecap, foi entregue no último dia 29, antes mesmo da divulgação do inquérito policial

Por Joana Suarez
Publicado em 07 de maio de 2015 | 21:14
 
 
Falha. Ao contrário de outras obras da Sudecap, viadutos da Pedro I não contaram com auxílio de consultoria LEO FONTES - 3.7.2014

O número de obras de alta complexidade e a pressão para aprová-las cresceram, mas o corpo técnico da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) não recebeu investimentos em capacitação de pessoal e infraestrutura. Em uma carta direcionada à chefia, as associações de servidores e engenheiros da autarquia denunciam problemas vividos por eles antes e depois da queda do viaduto Batalha dos Guararapes, na avenida Pedro I, em 2014, que resultou na morte de duas pessoas.

A ex-diretora de projetos da Sudecap Maria Cristina Novais denunciou à Polícia Civil que a cúpula da Secretaria Municipal de Obras sabia dos erros nos projetos antes da tragédia. Por e-mail, em fevereiro de 2013, ela fez um desabafo ao secretário e a diretores sobre a incapacidade de sua diretoria para dar resposta aos vários problemas constatados nos viadutos então em construção. Agora, três anos depois do primeiro aviso, em 2012, oito servidores da Sudecap foram indiciados por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), 23 tentativas de homicídios e pelo desabamento.

“Vejo a possibilidade da minha saída, se não como uma solução, ao menos um alerta desesperado da Sudecap enquanto autarquia responsável, competente e cansada de não conseguir se fazer ouvir (...). A solução desse problema demanda recurso humano. Não há como negar isso mais!”, relatou Maria Cristina no e-mail.

Estrutura. A carta da Associação de Servidores da Sudecap (Sercap) e da Associação de Engenheiros da Sudecap (AES), entregue no último dia 29, antes mesmo da divulgação do inquérito policial, confirma o que a diretora denuncia. “Vemos a imposição de um planejamento falho, prazos inexequíveis, salários medíocres (...)”, diz o texto.

Informações obtidas pela reportagem dão conta que em outras obras da Sudecap, como a de cobertura do Ribeirão Arrudas, foi contratada consultoria terceirizada com cerca de 200 profissionais especialistas em cada etapa da obra que poderiam fazer recálculo e ensaios. Isso auxiliava os engenheiros da autarquia na supervisão e execução do projeto. Mas nas estruturas da avenida Pedro I não houve essa consultoria. A própria Maria Cristina questiona no e-mail “quem seria responsável por apoio de projeto em obra? (no caso dos viadutos)”.

Uma fonte ligada à autarquia informou à reportagem que, ao contrário do que o prefeito Marcio Lacerda falou nesta quinta, não há um engenheiro calculista contratado na Sudecap até hoje. Esse profissional deveria ter 15 anos de experiência e cinco obras do porte dos viadutos no currículo.

A reportagem questionou a superintendência sobre a contratação desse profissional, e não obteve retorno. Segundo nota, em 2013, foi realizado concurso para contratação de engenheiros, arquitetos e técnicos de nível superior, iniciando as nomeações em setembro de 2014. Mas a informação extraoficial obtida é que esses nomeados não aumentaram significativamente o quadro de funcionários porque só repuseram os que deixaram a autarquia.

Respostas
Oficial
.A Sercap/AES não quis falar sobre o caso. A Sudecap não respondeu às perguntas enviadas às 17h35. O atual secretário de Obras, Josué Valadão, vai ler o inquérito antes de se pronunciar.

Funcionários do órgão indiciados

Todos foram indiciados, porque sabiam dos erros dos projetos e não tomaram providências:

José Lauro Terror.
Ex-secretário de Obras e chefe da Sudecap. Recebeu os e-mails de Maria Cristina relatando sobre os erros no projeto e participou da decisão de “tocar a obra”. Hoje preside a Prodabel.

Claudio Marcos Neto. Engenheiro e diretor de Obras da Sudecap.

Maria Cristina Novais. Arquiteta e ex-diretora de Projetos. Mandou os e-mails denunciando os erros, mas certificou a obra. Aposentada.

Beatriz Ribeiro. Arquiteta e diretora de Planejamento e Controle.

Maria Geralda Bahia. Chefe do Departamento de Projetos de Infraestrutura.

Janaina Falleiros. Chefe da Divisão de Projetos Viários e Engenheira.

Acácia Fagundes. Engenheira civil do setor de projetos. Saiu da empresa.

Mauro Lúcio Ribeiro. Engenheiro civil da Diretoria de Obras que fiscalizava o dia a dia da construção.

Leia a carta na íntegra clicando AQUI.

O caso

O inquérito sobre a queda do viaduto Batalha dos Guararapes foi apresentado no dia 5 de maio deste ano, após 10 meses de investigação. O desabamento da estrutura deixou dois mortos em julho do ano passado, durante a Copa do Mundo.

O resultado das investigações conduzidas pelo delegado Hugo e Silva foi o indiciamento de 19 pessoas por dolo eventual, quando assume o risco. 

Segundo o diretor do Instituto de Criminalística, Marco Paiva, a estrutura cedeu em função de um cálculo errado, que foi usado na fabricação de um bloco de concreto, que estaria no ponto central da alça sul do viaduto. Conforme as investigações, a execução da fabricação foi feita de forma correta, porém o cálculo estava errado e esse teria causado o afundamento da pilastra central. 

A apuração da Polícia Civil apontou que a Sudecap sabia das falhas no projeto do viaduto e, mesmo assim, mandou tocar a obra.

Nessa quarta-feira (7), o prefeito Marcio Lacerda disse que o inquérito será analisado pela administração municipal e que na próxima semana, um dossiê com documentos que supostamente não constam na apuração da Polícia Civil. Na ocasião, Lacerda disse que não sabe a razão pela qual os tais documentos não foram entregues ao delegado, mas garantiu que tudo será esclarecido.