Alerta

Culpa não é da ‘Baleia’, mas da depressão entre adolescentes

Jovens se matam porque estão deprimidos, e não por causa de jogo ou ficção, segundo especialistas

Por Aline Diniz e Luciene Câmara
Publicado em 24 de abril de 2017 | 03:00
 
 
Em casa. A microempresária Noadia Costa Silva Cândido conversa sobre temas difíceis com os filhos Foto: Fred Magno

“Antes perdíamos filhos nos rios, nos matos, nos mares; hoje temos perdido eles dentro do quarto! (sic)”. A frase é apenas o começo de um artigo publicado na internet no ano passado, atribuído à psicopedagoga Cassiana Tardivo, e que nessa semana caiu como uma luva na discussão sobre o Desafio da Baleia Azul. Pais ficaram em pânico diante de um jogo na internet que estaria induzindo crianças e adolescentes a se mutilarem e a se matarem. Mas a “culpa” por esse tipo de comportamento não é do jogo da Baleia, segundo estudiosos em psicanálise e psiquiatria, mas sim da depressão, que pode levar ao suicídio.

Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte mostram um aumento de 248% no número de atendimentos a pacientes de 1 a 19 anos com a doença. Foram 768 registros em 2015, contra 2.676 em 2016, uma média de sete por dia. Neste ano, já foram quase mil acolhimentos. A faixa etária que mais procura ajuda é dos 15 aos 19 anos, responsável por mais de 60% das demandas dos últimos dois anos.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é a principal doença e motivo de inaptidão entre os adolescentes no mundo. No pior dos casos, pode levar ao suicídio, segunda principal causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos. Na capital, os últimos dados de suicídio fornecidos são de 2015, quando nove pessoas com idades entre 10 e 19 anos tiraram a própria vida, um aumento de 50% em relação a 2014 e 2013 e o maior número em cinco anos – equiparado apenas com 2011.

“A culpa pelos suicídios é da depressão, é do transtorno bipolar, da tristeza, do mal-estar que acabou levando aquele jovem para o pior caminho. É preciso tornar esse sofrimento legítimo, e não diminuir isso dizendo que a culpa é (do Desafio) da Baleia. Vamos começar a tratar o assunto com seriedade”, diz a psicóloga com orientação psicanalítica Maria Josefina Medeiros Santos.

Segundo especialistas, o jogo macabro da Baleia Azul é capaz de atingir dois públicos: aquele que entra para se desafiar e acha que nada vai acontecer, mas que no decorrer do desafio pode acabar acreditando na ficção e se machucar por medo das ameaças; e aquele que tem depressão, que já estava com pensamentos suicidas e usa o jogo como recurso. O último grupo é a grande maioria. Dos casos de jovens que se mutilaram ou se mataram em Minas, em todos há relatos de comportamento depressivo e isolado por parte das vítimas.

Para a psicopedagoga Jane Patrícia Haddad, nem sempre os pais conseguem enxergar o sofrimento. “Não é questão de fazer um questionário para o filho, é perceber mudanças de comportamento”, exemplifica.

Como funciona. O jogo começou na Rússia e incita os participantes, geralmente em grupos secretos no Facebook, a completarem 50 desafios, que conduzem lentamente à morte.


Assunto deve ser falado na família

Suicídio costuma ser tema proibido dentro de casa e nos noticiários, muito pelo medo de que falar pode acabar “dando ideia” para alguém tirar a própria vida. Mas é preciso quebrar o tabu e falar sem histeria. Segundo especialistas, quem não sofre de depressão nem algum transtorno mental não terá interesse em se machucar ou entrar em um jogo macabro como o Baleia Azul após a conversa.

A microempresária Noadia Costa Silva Cândido, 46, escolhe o diálogo para tratar temas difíceis com a filha de 9 anos e o filho de 5. Na última semana, a menina ficou assustada com o Baleia Azul. “Ela ficou apavorada. Disse que não queria ver o jogo”, conta a mãe.

Foi a primeira vez que o assunto “suicídio” foi abordado pela criança. O jogo foi tema do bate-papo noturno da família, que ocorre todos os dias para compartilhar o que aconteceu na escola e no trabalho.