Jornalismo

Depoimento: A lista de pessoas não localizadas

A jornalista Fransciny Alves atua na cobertura da tragédia de Brumadinho

Sáb, 02/02/19 - 02h00

“Por favor, gente, eles precisam se posicionar. Tem muita gente esperando notícia. Tem muita mãe que o filho está lá, tem mulher que o marido está lá, e a gente precisa de ajuda. Pelo amor de Deus. Chega de fazer reunião, isso é coisa de família. Quantas pessoas estavam lá, quantas pessoas?”. 

Foi esse questionamento desesperado que ouvi de Nathália logo que desci, às 6h25, do carro da reportagem na Faculdade Asa, onde as autoridades estão reunidas. Cunhada de Diego, funcionário da Vale, ela corria atrás dos carros que saíam da universidade, em busca de informações, na tentativa de dar voz para a irmã, que não conseguia parar de chorar. Logo vi que não seria fácil acompanhar essa tragédia, mas nem de longe imaginava, naquele segundo dia de buscas por desaparecidos, que chegaria a essa proporção. 

Como repórter de política, o plano era cobrir a visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) até Brumadinho. Mas ele não desceu. Esse “bolo” me proporcionou percorrer incontáveis quilômetros na estrada ou no barro, fazer diversas coletivas em busca de respostas das autoridades e levar para você, leitor, relatos de quem estava sofrendo. A intenção era dar voz à Nathália, à dona Marlene, ao seu Valter, ao Horácio, à Lucy, à dona Vicentina e a tantas outras pessoas que convivem agora com essa dor. Só assim seria possível dar uma dimensão do que é essa tragédia. 

E, agora, ao refletir, percebo que, antes de tudo isso acontecer, nunca havia pensado que interromperia uma entrevista por emoção. Não imaginava que ainda hoje o odor dos corpos que chegavam a um campo no Córrego do Feijão estaria impregnado em minhas narinas. Também não sabia que seria capaz de confundir o barulho de um ventilador com o das hélices de helicópteros que se moviam a todo instante. É porque ali, naquele vilarejo, foi possível acompanhar a dor de familiares ao verem aeronaves do Corpo de Bombeiros, em cada voo, aterrissarem com um corpo pendurado em uma corda. 

Esse crime que ocorreu em Brumadinho destruiu casas, animais e plantações que pessoas simples levaram uma vida inteira para construir. O rompimento da barragem tirou o sossego de quem se reunia na praça para conversar, e não para contabilizar desaparecidos e mortos. Essa tragédia tem roubado até mesmo dos familiares a possibilidade de enterrar com dignidade seus entes queridos. 

Agora, são os inocentes que devem pagar por esses erros? Quando a Vale vai conseguir ressarcir? Nunca. O certo é que, por esse povo, cansado de chorar e esperar por parentes que nunca mais vão chegar depois do trabalho, a Justiça deve fazer com que os culpados respondam devidamente pelos seus crimes.

O Diego? Bom, ele aparece na lista da Vale como “não localizado”. E é justamente do nome dele que tenho lembrado ao acordar todos esses dias. Na hora, vêm a imagem da mulher dele, chorando naquele meio-fio em uma manhã de sábado em que o sol se recusava a nascer, talvez por saber que seria difícil trazer luz depois que uma avalanche de lama levou escuridão para esses familiares.

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