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Já são 18 dias que os atingidos pela avalanche de lama que desceu da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, convivem com os efeitos do maior desastre da história de Minas em perdas humanas. Eles ainda vivem a angústia de não terem uma definição sobre quais medidas emergenciais e de reparação dos danos às vítimas serão adotadas pela Vale, responsável pela estrutura.
Enquanto a mineradora pede tempo para avaliar as possibilidades, os atingidos pela tragédia em Brumadinho e outras cidades, temem a repetição do drama vivido pelas vítimas da barragem de Fundão, que em 5 de novembro de 2015 se rompeu em Mariana, na região Central do Estado, matando 19 pessoas e provocando o maior desastre ambiental do país. Lá, mais de 3.000 pessoas aguardam há três anos a prometida indenização integral e os reassentamentos. A morosidade para reparar esses danos é fruto de uma série de erros que não podem ser repetidos em Brumadinho, alertam os especialistas.
A reportagem ouviu promotores, procuradores do Trabalho, especialistas de outras áreas, além de representantes dos atingidos. E as fontes são unânimes em apontar dois principais erros no processo de compensação em Mariana: a terceirização da responsabilidade das empresas, com a criação da Fundação Renova, e o distanciamento dos afetados das discussões para indenização.
“Do ponto de vista jurídico, o que trouxe um abalo muito grande e atrasou as negociações foi o acordo fechado entre União, Estados de Minas e Espírito Santo e as empresas. Antes disso, a gente tinha condições de exigir judicialmente obrigações da empresa. Mas o acordo terceirizou a responsabilidade com a criação da Renova”, afirma o promotor do Ministério Público de Minas Gerais, Carlos Eduardo Ferreira Pinto.
Em Mariana, 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos da barragem da Samarco (empresa que tem como sócias a Vale e a BHP) soterraram povoados e deixaram um rastro de destruição em 663 km de rios. Ainda existem pessoas e municípios que lutam na Justiça para serem considerados atingidos. E mesmo os que são reconhecidamente vítimas da catástrofe ainda moram em casas alugadas temporariamente e nem sequer sabem quanto vão receber de indenização.
Para Rômulo Luís Veloso de Carvalho, defensor público de Minas Gerais, o maior erro do Termo de Ajustamento de Conduta foi a não participação de todos envolvidos. “O protagonismo das comunidades atingidas é essencial para se evitarem injustiças. Antes de qualquer acordo é preciso que haja a análise criteriosa, principalmente com a ajuda de profissionais, para que seja garantida a reparação integral do dano”, afirma.
Outro lado
Samarco. Em nota, a empresa reafirmou o compromisso com a comunidade impactada e disse acreditar no modelo que criou a Renova como responsável pelos reparos aos danos.
“Nada foi conquistado sem luta judicial”, afirma promotor
Assim como está acontecendo em Brumadinho, logo após a queda da barragem de Fundão, em Mariana, aconteceram muitas tentativas de acordos extrajudiciais. A expectativa era que, com isso, o ressarcimento das famílias fosse agilizado. Mas, pelo menos lá, a estratégia teve efeito contrário, segundo o promotor Guilherme de Sá Meneguim, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
Ele gastou um mês em tratativas de apoio financeiro emergencial para as famílias que tinham perdido tudo com a Samarco, mas, no fim, teve que recorrer a uma ação civil pública para fazer valer o combinado. “Em Mariana, a mentalidade das empresas (Samarco e suas controladoras Vale e BHP) foi o que mais atrasou o ressarcimento. Tanto as empresas quanto, depois, a Fundação Renova usaram o tempo todo a metodologia de negar direitos. Nada foi conquistado sem luta judicial”, afirma.
Grupo quer Vale longe de decisões
Apoiador das vítimas de Mariana e Brumadinho, o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Pablo Dias, pede que a Vale não tenha participação nas decisões de indenizações. Para ele, a voz dada à Samarco foi um erro em Mariana.
“Estamos lutando para que alguns erros não se repitam. O primeiro e mais gritante é a presença do criminoso na cena do crime. É igual colocar a raposa para tomar conta do galinheiro. Quando as ações de reparação ficam nas mãos da empresa que cometeu o crime, as vítimas ficam suscetíveis ao interesse econômico e ao gasto mínimo”, diz.
Para ele, a criação de um conselho para acompanhar as negociações seria uma boa saída, desde que a empresa não tenha assento, como ocorre na Fundação Renova, onde há seis representantes da empresa.
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