Em meio a pandemia

Despejo de famílias sem terras no Sul de Minas é retomado nesta quinta-feira

Desde esta quarta-feira (12) é feita a reintegração de posse do terreno e as 453 famílias que vivem no local tentam resistir

Qui, 13/08/20 - 12h03
Polícia tenta fazer a reintegração de posse do local | Foto: Gean Gomes-MST

Pelo segundo dia consecutivo as 453 famílias de sem terras vivem a iminência de um despejo na ocupação Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, em meio a pandemia pelo novo coronavírus (Covid-19). Desde esta quarta-feira (12) e ainda nesta quinta-feira (13) a Polícia Militar tenta fazer a reintegração de posse no local com cerca de 200 militares.

A ação ocorre no entorno da antiga Usina Ariadnópolis.  A terra que tem 3.900 hectares é alvo de uma disputa de posse há mais de 20 anos. Em 1996, a empresa dona do terreno, faliu e deixou de operar na região. Em 1998 as famílias do Movimento Sem Terra (MST) ocuparam o local.

"Estamos firmes em vigília, aguentando um aparato policial de mais de 200 homens de  cinco Batalhões de Polícia Militar.  Queremos denunciar a covardia do governador Romeu Zema que mais uma vez legitima esse processo de reintegração de posse nas nossas áreas. Esse processo é ilegal. Nós entramos com um processo no STJ (Superior Tribunal Regional)", disse Tuira Tuli, uma das moradoras do local. 

Desde o fim de julho, o MST diz que "viaturas e drones atormentaram a paz das famílias acampadas" quando a polícia teria "invadido" casas e ainda levado um os membros do movimento preso por resistência. O homem foi solto no mesmo dia e a entidade chegou a denunciar o caso ao Ministério Público diante da tentativa da PM em "coagir e incriminar os trabalhadores".

"Os dias seguiram tumultuados, com a intensificação da denúncia do despejo iminente, a busca de saídas jurídicas junto ao Ministério Público e a organização do acampamento para a resistência. Em meio à corrida contra o tempo, circularam dezenas de áudios das famílias denunciando as ações autoritárias, as rondas de viaturas aceleradas, as blitz nas estradas de acesso à pequena cidade", declarou a entidade em nota.

E na madrugada desta quarta, a ordem judicial foi cumprida e mais de 2,5 mil pessoas precisaram deixar o acampamento. Em julho do ano passado, a Justiça chegou a negar a reintegração de posse – o relator do caso, desembargador Luciano Pinto, enfatizou que o pedido não atendeu aos requisitos básicos. Nos últimos 22 anos, os membros do MST já foram alvo de cinco ações na localidade.

Ainda em 2019, um decreto do ex-governador Fernando Pimentel (PT) que transformava o entorno da usina em área de interesse social foi revogado pelo Estado após os proprietários do local questionarem o governo sobre o valor que seria pago para o assentamento das famílias.

No local, estava em construção um novo polo de conhecimento e tecnologia de agroecologia, com produção de alimentos sem uso de produtos químicos e fertilizantes tóxicos.

O que diz a Sedese

Por meio de nota nesta quarta-feira (12), a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) disse que solicitou a suspensão do cumprimento da ordem judicial para reintegração de posse da área durante a pandemia da Covid-19.

"A Sedese presta apoio técnico aos gestores da assistência social do município de Campo do Meio para atendimento às famílias do citado acampamento", afirmou.

Veja a nota completa enviada nesta quinta:

O Governo de Minas Gerais informa que não tem competência para suspender uma ordem judicial. Esta competência é exclusiva do Poder Judiciário. A ordem de reintegração de posse da gleba da Fazenda Ariadnópolis é oriunda de processo judicial transcorrido. Seu eventual descumprimento é crime de desobediência tipificado no Código Penal.
Informamos ainda que:

A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) acompanha, desde quarta-feira (12/08), ação do oficial de justiça responsável pelo cumprimento da ordem judicial para reintegração de posse da Fazenda, determinada pelo juízo da Comarca de Campos Gerais. 

Foi planejada uma operação pacífica, sem necessidade do emprego de força e seguindo todos os protocolos de segurança estipulados para o período da pandemia da Covid-19, para preservar a segurança de todos os envolvidos na ação.   

Na última terça-feira (11/8), a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) enviou ao Judiciário manifestação coletiva junto a outros órgãos, como a Comissão de Direitos Humanos da OAB e o Conselho Estadual de Direitos Humanos, para que a ação não fosse realizada durante a pandemia da Covid-19.

Com a negativa do Judiciário, a Polícia Militar acompanhou o cumprimento da ordem judicial para reintegração de posse. A desobediência da PMMG à decisão do Judiciário implicaria no descumprimento do Artigo 301 do Código Penal.  

As famílias vêm sendo realocadas em locais disponibilizados pela Prefeitura de Campo do Meio. A Sedese presta apoio técnico aos gestores da assistência social do município para atendimento às famílias.
 

O que dizem o Tribunal e a polícia

Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) esclareceu que não houve "ordem de despejo do tribunal durante a pandemia" e que a decisão foi expedida há um ano, em 2019. Segundo o órgão, após liminares a ordem foi suspensa e as partes chegaram a "uma conciliação para desocupação que teria que acontecer este ano". Ainda houve o pedido de prorrogação de prazo em um mês para esta desocupação.  

A Polícia Militar informou em nota que a reintegração de posse foi planejada para ser feita de forma pacífica e sem necessidade do emprego de força, além de seguir todos os protocolos de segurança estipulados para o período da pandemia .

"A ordem para execução da reintegração de posse foi determinada pelo juízo da Comarca de Campos Gerais.  Foram realizados pedidos de adiamento para cumprimento da ação. O último pedido de adiamento não foi acatado pelo juiz, sob pena do descumprimento do Art. 301 do Código Penal.", informou. 

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