Após tragédia

'Dinheiro não vale mais nada, a Vale destruiu a nossa vida', diz comerciante de Brumadinho

Marido de Sara trabalhava como motorista para uma empresa terceirizada da Vale quando o rompimento ocorreu

Ter, 12/02/19 - 07h54
"O meu prejuízo depois dou um jeito. O que mais sinto é a perda dos meus amigos", diz comerciante | Foto: Alex de Jesus/O Tempo

Na pequena papelaria no Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, a comerciante Sara de Souza Silva, de 38 anos, se emociona ao lembrar dos amigos que perdeu por causa do rompimento da barragem da cidade no dia 25 de janeiro. Além das perdas, a mulher ainda amarga um prejuízo com as mercadorias que foram compradas por R$ 10 mil.

No dia da tragédia, Sara estava no comércio preparando algumas encomendas que entregaria para as amigas. Ela teria que passar por uma das áreas que foi atingida pela lama.

"No momento em que eu ia descer para Brumadinho para entregar as mercadorias, uma amiga me ligou e disse: 'Sara, separa mais umas mochilas e cadernos pra mim'. Foi onde Deus me abençoou. Ela me segurou na ligação por dez minutos. Quando eu me preparava para ir, uma pessoa me avisou que não era para descer", explicou a mulher.

Sem saber a proporção do desastre, ainda segundo a comerciante, um motorista que passava pela comunidade abriu as portas do carro que conduzia e pediu para que Sara e os filhos de 7 e 16 anos entrassem no veículo. "Ele falou: 'entra no meu carro agora, entra que vem muita água por aí. Córrego do Feijão vai ficar debaixo debaixo d'água'. Nós saímos sem rumo e só fomos parar em Casa Branca, onde ficamos na casa de um amigo", detalhou.

Os aparelhos telefônicos ficaram sem funcionar, o que desesperou ainda mais a mulher. O marido de Sara trabalhava como motorista para uma empresa terceirizada da Vale quando o rompimento ocorreu. Ele tinha acabado de sair da área da mineradora em direção ao bairro Tejuco, onde conseguiu se abrigar em uma área mais alta da região.

"Deus deu mais uma oportunidade para a minha família. Eu vi as mãos de Deus na minha vida. Perdi muita gente conhecida, aqui éramos uma família. Uma senhora da minha igreja, a dona Diomar, já tinha comprado os materiais escolares para os netos e ainda não conseguiram localizá-la", contou. (O nome de Diomar Custodia dos Santos Silva segue na lista de desaparecidos divulgada pela Defesa Civil Estadual).

Investimento

Segundo Sara, ela investiu na loja, que tem há seis anos na comunidade, visando o aumento de vendas que costuma ter em janeiro e fevereiro por causa do retorno às aulas. O faturamento dela neste período chegava a R$ 20 mil. "O meu prejuízo depois dou um jeito. O que mais sinto é a perda dos meus amigos. A loja é minha renda e eu também ajudava a comunidade.

Muitas pessoas aqui não tinham cartões de crédito, um crediário. Eu anotava na caderneta aqui da loja. Hoje o dinheiro pra mim já não vale mais nada, a Vale destruiu a nossa vida. Tudo que a gente construiu, aquela união de amigos está destruída", finalizou.

De acordo com o último boletim divulgado pela Defesa Civil Estadual, nessa segunda-feira (11), o número de óbitos continua em 165, 155 pessoas estão desaparecidas, 393 foram localizadas e duas seguem hospitalizadas. As buscas pelas vítimas continuam e não há previsão para que sejam encerradas.

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