Belo Horizonte

'É um monstro', diz irmã de mulher morta por marido que alegou falso sumiço

'Eu só peço a Deus para mostrar onde está a ossada dela', relata Maria Aparecida, 50, que perdeu a irmã assassinada pelo marido; ele fingiu que a mulher desapareceu, e crime foi descoberto apenas em fevereiro

Por Lara Alves
Publicado em 23 de fevereiro de 2021 | 20:00
 
 
Maria Aparecida Santiago Amorim, 50, espera que seja recuperada a ossada da irmã, desfeita pelo suspeito no rio Paraopeba, na região metropolitana de Belo Horizonte Foto: Uarlen Valerio

"Eu só peço a Deus para mostrar onde está a ossada dela". A súplica repete-se na voz de Maria Aparecida Santiago de Amorim, 50, horas após a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluir o inquérito sobre o assassinato da irmã dela, Ana Márcia Gomes Santiago, 41, morta pelo próprio marido em novembro, que a deu como desaparecida e sustentou a versão por três meses. O feminicídio foi descoberto agora em fevereiro com a constatação da presença de manchas de sangue no porta-malas do carro do suspeito, com quem a vítima vivia há dez anos e dividia a criação da filha deles, uma menina de 8 anos. 

O corpo de Ana Márcia – "Marcinha" para a irmã – foi, segundo declarou o criminoso em interrogatório, arremessado às margens do rio Paraopeba, na região metropolitana de Belo Horizonte. Confrontado com as provas obtidas na investigação da Divisão de Referência da Pessoa Desaparecida (DRPD), o homem de 42 anos negou ter cometido o crime, e alegou à polícia que na data da morte de Ana Márcia, em 2 de novembro, eles discutiram e a mulher, ao cair no chão, chocou a cabeça contra o solo e morreu.

Ele, segundo disse em versões contraditórias, para não tornar-se responsável pela morte, arrastou-a até o carro e despejou-a no leito do rio. À manhã após o assassinato, ele enviou uma mensagem do celular da mulher para a filha mais velha dela, de 21 anos, e, fingindo ser Ana Márcia, disse que iria passar o dia com uma amiga e que não seria necessário procurá-la. Dois dias depois do crime, o marido, para não levantar suspeitas, foi à delegacia e comunicou o desaparecimento da mulher. 

A esperança de abraçar a irmã esgotou-se após três meses de martírio para Maria Aparecida com a confirmação do assassinato praticado pelas mãos do cunhado. A espera por reencontrá-la foi substituída pela fé de poder enterrar os restos mortais de Ana Márcia, cujo corpo começou a ser procurado pelo Corpo de Bombeiros à última sexta-feira (19) com a revelação feita pelo suspeito logo após ser detido – nesta terça-feira (23), exames genéticos são feitos em vestígios encontrados.

"Eu tenho esperança, porque nós temos a sensação de que ele a tratou como se fosse lixo. Eu não perco a esperança de jeito nenhum, de acharem o corpo dela e nós podermos saber que ela está ali em algum lugar". O sofrimento da técnica em saúde Maria Aparecida transborda entre lágrimas que não consegue controlar à medida que relembra os primeiros dias após o falso desaparecimento da irmã, a comoção mentirosa e a frieza do cunhado, que, segundo ela própria acredita, pode ter planejado por meses o homicídio. 

"Se ele está falando a verdade sobre o lugar onde colocou ela, porque às vezes tenho dúvidas, acabou. Para mim, significa que ele estava há meses, anos, planejando, que ele com certeza foi até onde deixou ela para ver antes do crime, ter certeza que ninguém iria encontrá-la. Ele é um monstro, frio. Esse crime foi muito bem planejado". A dissimulação no comportamento do marido de Ana Márcia foi notada não apenas pela família, como pelo subinspetor Fabiano Assis, da Polícia Civil. "Ele foi à imprensa (na época do desaparecimento) fingindo ser um marido preocupado com a mulher e chorou pedindo por ela". A percepção é também reforçada pela delegada Maria Alice Faria, que citou como o suspeito preparou-se para livrar dos vestígios do crime após matar a companheira. 

"Foi encontrado muito sangue no quarto onde Ana Márcia dormia. O local foi todo desfigurado, paredes raspadas e o chão limpo com material abrasivo. Mas, ainda assim, foi possível constatar quantidades de sangue no cômodo". O fato do suspeito ter dificultado as investigações mentindo sobre o desaparecimento, passando-se pela mulher em mensagem de texto à filha, contrariando versões nos interrogatórios e proporcionando mudanças na cena do crime garantiu que ele fosse indiciado por fraude processual, além de ter também recebido denúncia por feminicídio e ocultação de cadáver. 

"Eu nunca tive dúvidas de que ele estava com ela"

À tarde de terça-feira, 3 de novembro, a sobrinha de Maria Aparecida, e filha de Ana Márcia, 21, mandou uma mensagem à tia contando sobre o desaparecimento da mãe, que àquela tarde não apareceu no posto de gasolina onde trabalhava como frentista, à avenida Raja Gabáglia, na região Centro-Sul da cidade. Minutos depois, a técnica em saúde foi até a residência da irmã, no bairro Serrano, na regional Oeste de Belo Horizonte, e, com a sobrinha, percebeu um cheiro forte no quarto de Ana Márcia.

"Eu entrei no lugar onde ela dormia e senti um odor muito forte. Foi uma anomalia. Outra é que na noite de domingo, 1º de novembro, antes do desaparecimento, o marido dela mandou a filha deles, de 8 anos, dormir na casa da avó paterna, o que nunca tinha acontecido antes. Eu senti que havia algo de errado. Qualquer pessoa perceberia, principalmente nós que tínhamos conhecimento da vida dos dois. Até a notícia da polícia chegar (sobre a morte), eu tinha comigo que ele havia prendido ela em algum lugar, em cativeiro, por causa de um dinheiro que ela guardou”.  

Suspeita de extorsão

O dinheiro a que se refere Maria Aparecida é, para ela, o que levou o cunhado a assassinar brutalmente a irmã. Frentista, Ana Márcia garantia o sustento do marido e das filhas, de 8 e 21 anos, e, o pouco restante, era destinado a uma conta poupança e seria aplicado na compra de um imóvel para a mais velha, cujo pai não é o suspeito. As intenções da mulher teriam gerado divergências na relação, como explica a irmã. 

"Não dá para não desconfiar. Ano passado, nove anos depois deles começarem o relacionamento, ele insistiu para que minha irmã se casasse com ele. Fiquei muito triste quando ela me contou. O que ela ganhava no dia-a-dia era praticamente a conta das despesas, mas ela economizava um pouquinho porque queria comprar uma casa para a filha mais velha, e ele não concordava com isso. Então, o que ele planejou? Que se casassem, e usasse o dinheiro dela". 

Ela esclarece que dois meses após o matrimônio, Ana Márcia descobriu que o marido havia comprado uma chácara na Serra do Cipó, na região metropolitana de Belo Horizonte. "“Ela soube por terceiros sobre a compra, o que deixou ela muito brava. Ela disse a ele que não iria pagar, que já tinha olhado a casa para comprar para a filha. Acho que aí ele já começou a planejar. Tanto é que ele sempre me disse que a polícia não iria investir na história, que iriam dá-la como morta em dois anos. Dinheiro sempre foi um atrito, porque ele nunca gostou de trabalhar. Ela tinha R$ 86 mil no banco, e quando, na época do desaparecimento, eu disse que iria bloquear a conta bancária, ele se revoltou comigo. Nada explica tanta crueldade por tão pouco…". 

Para Maria Aparecida, até a confirmação da morte da irmã, havia a hipótese de que o marido a teria detido em cativeiro para extorqui-la. "Eu nunca imaginaria perder uma irmã assassinada. Era só ele mantê-la em um lugar, pedir o dinheiro, ela era trabalhadora. O que é R$ 86 mil para quem vivia trabalhando? Se ele falasse com a família no particular… Eu daria tudo para ele se ele a deixasse viver. Além de tudo, ele não pensou nem na própria filha deles". 

Investigação

Inquérito concluído indiciou o marido de Ana Márcia Gomes Santiago, 41, por feminicídio, ocultação de cadáver e fraude processual. Detido à última sexta-feira (19), ele não reagiu e também não confessou tê-la matado, mas garantiu à polícia ser o responsável pelo desaparecimento do corpo quando confrontado com as provas recolhidas pela investigação.

“Foram três meses de apuração porque trata-se de um crime sem corpo. A fala dele foi que tratou-se de uma briga e que ela caiu, batendo com a cabeça no chão e morrendo. Ele disse que a levou para o rio e desfez-se do corpo por medo. Nós sabemos que trata-se de um indivíduo dissimulado. O que foi dito está descartado pelas provas obtidas nos autos, além da grande quantidade de sangue encontrada no quarto em que ela dormia. Ele confessou ter transportado o corpo, mas não confessou ter matado Ana Márcia”, esclarece a delegada Maria Alice Faria.

Ausente o corpo e sem confissões por parte do suspeito, não há como detalhar o que realmente aconteceu na madrugada de 2 de novembro. “A dinâmica exata do crime só ele sabe. Quando há um corpo, nós podemos submetê-lo à perícia, mas não temos nessa situação. Nós só podemos afirmar que foi uma dinâmica violenta em razão do volume de sangue encontrado, e que possivelmente foi usado um instrumento contundente ou perfuro-cortante”.

À irmã sobra a impressão de um homicídio cometido no instante em que Ana Márcia dormia. “Eu me pergunto: ‘por que tanta covardia com ela?’, ‘por que tanta maldade?’. Ninguém merece, todo mundo é o amor de alguém. Acho que ele a matou enquanto ela dormia, e a maldade foi tanta, foi tão ruim que nem o direito de gritar ele deu para ela”.