Expectativa

Estudo: pesquisadores mineiros testam antidepressivo para tratar Covid

Com remédio, redução da hospitalização foi superior a 25% em pacientes com coronavírus. Fluvoxamina foi usada por pacientes com quadros leves e iniciais de Covid-19

Dom, 08/08/21 - 03h00
O médico cardiologista Gilmar Reis coordena estudo com medicamento para tratar pacientes com Covid | Foto: Arquivo pessoal

Mesmo depois da descoberta e do avançar da vacinação contra o coronavírus em todo o mundo, muitos cientistas ainda se debruçam em busca de medicamentos que possam ajudar a minimizar os impactos provocados pela Covid-19. Nessa corrida contra o tempo, um grupo de pesquisadores mineiros encontrou resultados promissores em um medicamento que, até então, era empregado no tratamento de transtornos de ansiedade e depressão. 
Os resultados, ainda preliminares, mostraram que o uso da fluvoxamina levou a uma redução superior a 25% na hospitalização de pacientes com comorbidades e diagnosticados com quadros iniciais e leves de Covid-19.

As pesquisas foram coordenadas pelo médico cardiologista e professor da PUC Minas Gilmar Reis e contou com o financiamento da Universidade McMaster, do Canadá. O artigo com os dados finalizados deve ser publicado na próxima semana. 
Segundo Reis, a fluvoxamina é uma droga usada desde a década de 1990, e seu perfil de segurança é bem conhecido. O estudo, que teve início em janeiro deste ano, utilizou o método duplo-cego e randomizado, em que nem o examinado, nem o examinador sabiam o que estava sendo utilizado. Ou seja, 1.480 pacientes foram aleatoriamente designados para receber a fluvoxamina (742) ou o placebo (738). 

Para participar do estudo, os pacientes necessariamente tinham que ter mais de 50 anos de idade ou algum fator de risco conhecido para o desenvolvimento de quadros graves de Covid-19, como diabetes, hipertensão, obesidade, doenças cardiovasculares, entre outras.

 

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Para ser realizada, a pesquisa contou com a adesão de 20 unidades de saúde, como o Hospital Odilon Behrens e Instituto Mário Pena, espalhados em diversos municípios, principalmente da região metropolitana de Belo Horizonte, como Betim, Brumadinho, Nova Lima e Sete Lagoas.

Todos os pacientes receberam a medicação durante cerca de 10 dias e foram acompanhados por 28 dias, ao todo. De acordo com o pesquisador, os resultados têm o potencial de mudar a forma como a Covid é tratada em todo o mundo, “uma vez que esta droga, a fluvoxamina, é barata, bem compreendida e amplamente disponível na maioria dos países”.

Futuro

Só no Brasil, 86 medicamentos tiveram autorização para passar por ensaios clínicos, com testes em pessoas, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas nenhum deles se provou eficaz e acessível até agora. O único medicamento com registro aprovado pelo órgão até agora é o rendesivir, utilizado em pacientes graves hospitalizados.

Em relação à fluvoxamina, a Anvisa informou que “não recebeu pedido de estudo clínico com essa substância para enfrentamento da Covid19”. O órgão destacou, porém, que somente os estudos de caráter regulatório têm necessidade de autorização.

A Universidade McMaster, do Canadá, informou em seu site oficial, ontem, que o estudo de avaliação da substância iniciado em janeiro de 2021 foi interrompido por recomendação do Comitê de Monitoramento de Dados e Segurança, “pois os efeitos do tratamento foram convincentes e nenhum outro paciente precisou ser recrutado”, diz o comunicado.

“Antes da pandemia era impensável desenvolver um estudo com 1.480 pacientes em apenas seis meses, mas a pandemia nos ensinou a reinventar”, disse o pesquisador Gilmar Reis. 

De acordo com Reis, toda essa dedicação deixa um legado. “Criamos uma estrutura e logística diferentes do que se faz normalmente e respeitando todas as normas internacionais de boas práticas em pesquisas. Conseguimos desenvolver núcleos de pesquisa em todas as cidades já pensando em mantê-los ativos para estudos sobre outros agravos crônicos”, destaca. 

Minientrevista

Gilmar Reis

Cardiologista e coordenador do estudo

“Vamos continuar tendo complicações”

Não seria ainda muito cedo para comemorar? Embora ainda não tenhamos um percentual exato, nós temos a obrigação de informar esses resultados. É um medicamento de baixo custo, disponível no mundo inteiro e que mostrou uma redução nas complicações, não quer dizer que estejamos comemorando. Mas os números agora permitem afirmar que essa medicação é melhor do que o tratamento convencional que se adota nessa fase da doença.

Quais as suas expectativas? Nós vamos continuar tendo pacientes com complicações, pois não existe medicação que atue 100% contra a Covid-19. Nem mesmo as vacinas, que são o melhor tratamento para o coronavírus – não tenho a menor dúvida disso –, não conseguem segurar a variante delta. Ou seja, está todo mundo tentando encontrar uma saída para minimizar os estragos.

O que podemos esperar? Dentro desse cenário, em que não temos absolutamente nenhum medicamento para oferecer aos paciente com quadros leves, agora vamos ter. O estudo mostra que os pacientes que usaram a fluvoxamina tiveram melhor desfecho do que os que não usaram. Não quer dizer que não vamos ter casos graves com o uso da fluvoxamina mas, quando comparo os pacientes em uso com os que não usam, dentro desse cenário é que a medicação vai encaixar.
 

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