Barragem de Fundão

Extinção da Fundação Renova traria alívio para vítimas que não se sentem ouvidas

O comerciante Mauro Marcos Rodrigues, 51, vê com bons olhos a ação do Ministério Público de Minas Gerais: “a estratégia das mineradoras foi sair do foco e se blindar com a Fundação Renova, é como se terceirizasse um crime”

Sex, 26/02/21 - 06h00
Em novembro de 2015, barragem da Samarco estourou e matou 19 pessoas em Mariana | Foto: Lincon Zarbietti

“A reconstrução do meu imóvel está parada. A indenização também está parada. Eles (Fundação Renova) não estão abertos a negociações”. A angústia não foge à fala do comerciante Mauro Marcos Rodrigues, 51, morador do antigo distrito de Bento Rodrigues engolido pelo mar de lama àquele novembro de 2015. Não pertence a ele uma entre as cinco casas construídas nos últimos quatro anos pela entidade, e, segundo relata, não há previsão para que o imóvel seja entregue.

“O meu processo está parado, como de muitas outras famílias, e aguardamos para saber como será feito daqui para frente”. Ele é parte do grupo de atingidos na tragédia do rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana, na região Central de Minas Gerais, e pertencerá a Mauro um entre 209 imóveis que a instituição promete construir no reassentamento de Bento Rodrigues – a Renova, à reportagem, garantiu que serão concluídas 64 residências até dezembro.

A notícia sobre a ação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pela extinção da Fundação Renova foi percebida com bons olhos pelo comerciante e por outras famílias afetadas pelo desastre. “Logo que a Renova foi constituída, nos primeiros meses de atuação, já havia um anseio entre as vítimas, porque ela se preocupou muito mais em garantir os interesses das empresas que a mantêm ao invés de garantir um desfecho sério ao processo de reparação”, reforça.

No documento, o MPMG reforçou que é evidente a ausência de independência da entidade frente as mineradoras responsáveis pelo desastre. “No modelo por intermédio do qual a Fundação Renova está estruturada e em funcionamento, sem independência e autonomia, e com práticas de desvios de finalidades, é evidente ilicitude constitucional e legal”, descreveram os promotores à frente da ação. Para eles, não é razoável que a instituição “seja comandada, em suas decisões, pelas empresas responsáveis pelos ilícitos e pelos graves danos sociais e ambientais causados”.

A impressão é compartilhada pelo morador do antigo Bento Rodrigues. “Os cargos de confiança da Renova foram preenchidos por funcionários da Vale e da Samarco, principalmente. A estratégia das mineradoras foi sair do foco e se blindar com a Fundação Renova, é como se terceirizasse um crime”.

Outro lado

Questionada pela reportagem sobre as irregularidades apontadas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) na ação que pede sua extinção, a Fundação Renova respondeu por meio de nota à noite de quinta-feira (25) que discorda das alegações feitas pelo órgão sobre as contas da instituição e declarou que irá contestar o pedido de intervenção proposto no pedido. De acordo com a entidade, contas são submetidas a auditorias externas, e, sobre a remuneração de diretores – considerada exorbitante pelo MP –, a Renova declarou que “adota uma política de mercado com valores compatíveis com as responsabilidades assumidas” e afirmou não serem os valores aportados para manutenção da fundação e pagamento de salários contabilizados nas quantias destinadas à reparação e compensação dos danos.

Em relação às críticas sobre gastos com publicidade, a instituição disse que “o investimento é oriundo dos recursos administrativos da Fundação Renova, que não são destinados aos programas de reparação e compensação”. Sobre a finalidade das propagandas, afirmou que “destina-se a difundir, para atingidos, sociedades atingidas e amplos segmentos da sociedade brasileira, a plataforma de dados sobre a reparação”.

Em relatório enviado à reportagem, a Renova informou que pretende gastar R$ 5,86 bilhões com as ações de compensação e reparação em 2021 e, com isto, subirá para R$ 17 bilhões o total gasto. Em relação às obras do reassentamento de Bento Rodrigues, a Fundação declarou que “95% das obras de infraestrutura estão concluídas, considerando via, drenagem, energia elétrica, redes de água e esgoto das ruas”, e detalhou que o posto de saúde e de serviços está concluído e a escola em fase final de acabamentos. Vinte casas estão em construção, afirmou a entidade.

Paracatu de Baixo, outro distrito afetado pela tragédia, reúne 97 famílias que optaram por viver no reassentamento. De acordo com a Fundação Renova, sete casas tiveram obras iniciadas e a infraestrutura está em fase avançada. Em Gesteira, no município de Barra Longa, o projeto do reassentamento está em curso. Outras 147 famílias dos três distritos optaram por não viver nas três comunidades que serão criadas.

“Ao todo, 60 imóveis foram adquiridos para famílias que optaram por esta modalidade de reparação do direito à moradia, sendo 19 imóveis para reformar, 37 imóveis para construir e 4 lotes vagos”. Nas zonas rurais dos dois municípios afetados, oito casas foram entregues às pessoas que optaram por viver lá.

Leia na íntegra a nota da Fundação Renova:

A Fundação Renova discorda das alegações feitas pelo Ministério Público de Minas Gerais relacionadas às contas da instituição e informa que irá contestar nas instâncias cabíveis o pedido de intervenção proposto em Ação Civil Pública nesta quarta-feira (24).  

Além das prestações de contas realizadas anualmente, a Fundação também encaminha ao MPMG as respectivas aprovações de suas contas feitas pelo Conselho Curador, pelo Conselho Fiscal e pela empresa independente responsável pela auditoria das demonstrações financeiras, conforme prevê a Cláusula 53 do TTAC. 

As contas da Fundação Renova são ainda verificadas por auditorias externas independentes, que garantem transparência no acompanhamento e fiscalização dos investimentos realizados e dos resultados alcançados. As contas da Fundação foram aprovadas por essas auditorias. 

A respeito do questionamento do MP relacionado ao superávit da Fundação Renova em 2019, é importante esclarecer que é recomendável que instituições do terceiro setor trabalhem com superávit, indicador de que o trabalho está sendo realizado de forma qualificada e técnica. No caso da Fundação Renova, o valor relativo ao superávit é reaplicado nas ações de reparação do ano seguinte. 

Sobre a remuneração de seus executivos, a Fundação Renova esclarece que adota uma política de mercado, com valores compatíveis com as responsabilidades assumidas. Importante esclarecer que os valores aportados pelas mantenedoras para o custeio da fundação (salários e custos administrativos) não comprometem e não são contabilizados nos valores destinados à reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento de Fundão.  

Cabe ressaltar que a Fundação Renova é responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, cujo escopo engloba 42 programas que se desdobram nos projetos que estão sendo implementados nos 670 quilômetros de área impactada ao longo do rio Doce e afluentes e em ações de longo prazo. Cerca de R$ 11,8 bilhões foram desembolsados pela Fundação Renova até o momento, tendo sido pagos R$ 3,26 bilhões em indenizações e auxílios financeiros para 320 mil pessoas até janeiro deste ano. 

As indenizações ganharam novo impulso com o Sistema Indenizatório Simplificado, implementado pela Fundação Renova a partir de decisão da 12ª Vara Federal em ações apresentadas por Comissões de Atingidos dos municípios impactados. Ele tem possibilitado o pagamento de indenização a categorias com dificuldade de comprovação de danos. O primeiro pagamento por meio do sistema foi realizado em setembro. Até o início de fevereiro de 2021, mais de 5 mil pessoas foram pagas pelo Sistema Indenizatório Simplificado. O valor ultrapassou R$ 450 milhões. 

Reparação 

A Fundação Renova permanece dedicada ao trabalho de reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), propósito para o qual foi criada.  

As obras dos reassentamentos têm previsão de desembolso de R$ 1 bilhão para 2021, um aumento de 14% em relação ao ano anterior. O valor refere-se a todas as modalidades de reassentamento, englobando as construções dos novos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, e, também, a modalidade de reassentamento Familiar e a reconstrução de residências em comunidades rurais. O avanço da infraestrutura, priorizado dentro do plano estratégico de prevenção contra a Covid-19, permitirá a aceleração da construção das residências das famílias atingidas. Assim, os reassentamentos coletivos ganham desenhos de cidades planejadas.  

A questão do prazo de entrega dos reassentamentos está sendo discutida em um Ação Civil Pública (ACP) em curso na Comarca de Mariana, tendo sido submetido recurso para análise em segunda instância (TJMG), o qual ainda aguarda apreciação e julgamento. Nesse contexto, foram expostos os protocolos sanitários aplicáveis em razão da Covid-19, que obrigaram a Fundação a desmobilizar parte do efetivo e a trabalhar com equipes reduzidas, o que provocou a necessidade de reprogramação das atividades. 

A água do rio Doce pode ser consumida após passar por tratamento convencional em sistemas municipais de abastecimento. Além disso, foram recuperados 113 afluentes, pequenos rios que alimentam o alto rio Doce. Cerca de 888 nascentes estão com o processo de recuperação iniciado. Até o momento, as ações de restauração florestal alcançam mais de 1.000 hectares em Minas Gerais e no Espírito Santo, uma área equivalente a 1.000 campos de futebol. 

Na área de saneamento, 9 municípios iniciaram obras para tratamento de esgoto e resíduos sólidos com recursos repassados pela Fundação Renova. Estão previstos R$ 600 milhões para projetos nos 39 municípios impactados. 

Em 2020, a Fundação iniciou um repasse de R$ 830 milhões aos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e prefeituras da bacia do rio Doce, para investimentos em infraestrutura, saúde e educação. Esses recursos promoverão a reestruturação de mais de 150 quilômetros de estradas, de cerca de 900 escolas em 39 municípios e do Hospital Regional de Governador Valadares (MG), além de possibilitar a implantação do Distrito Industrial de Rio Doce (MG).

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