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Golpe do falso emprego mira adolescentes como vítimas em Belo Horizonte

Polícia Civil investiga atuação de organização criminosa que exige pagamento por um curso para viabilizar vaga. Estelionatos contra jovens entre 12 e 17 anos teve crescimento de 30% em Minas Gerais

Por Lucas Morais
Publicado em 11 de setembro de 2021 | 03:00
 
 
Carteira de trabalho Foto: Agência Brasil/Arquivo

Há pouco mais de um ano, Fernando* precisou deixar o trabalho de menor aprendiz em um supermercado de Belo Horizonte por conta do encerramento do contrato. Para ajudar nas contas de casa, o garoto de 16 anos passou a procurar uma outra oportunidade. Em agosto, ele foi chamado para uma entrevista em uma suposta agência de emprego na avenida Afonso Pena, perto da praça Sete, no hipercentro da capital. 

O pai, Alberto*, decidiu acompanhar o filho e não esperava que se tratava de um golpe. Após a entrevista, a agência exigiu o pagamento de R$ 600 para que o adolescente fosse contratado. "Na hora que terminou a entrevista com meu filho, falaram que a vaga já estava garantida, mas era preciso realizar esse curso que a empresa mandou fazer. Por pouco, não caímos nesse golpe", relatou.

Conforme o delegado Wesley Geraldo Campos, titular da 2ª Delegacia da Polícia Civil/Centro, esse tipo de crime contra adolescentes está cada vez mais comum na capital. "Essas pessoas abrem empresas e anunciam vagas de emprego para adolescente e menor aprendiz. Colocam que são boas colocações, com salários altos, para poder atrair (interessados). Os  jovens comparecem com os pais e, quando o currículo é analisado,  (os golpistas) desqualificam (o candidato) e falam que, para ocupar melhores empregos, é preciso fazer um curso, oferecido pela própria agência", explicou.

Sobre o curso, o delegado disse que são usados vídeos de sites na internet. "Os pais contaram que o valor do curso informado pela agência é de R$ 3.000, mas que a empresa iria pagar a maior parte e o adolescente, apenas R$ 400. Geralmente, eles se aproveitam da vulnerabilidade. São pessoas com pouca instrução que vão procurar uma vaga", completou.

Já os salários oferecidos, segundo Campos, são acima da média e chegam a R$ 1.500 para meio período de trabalho. "O valor é superior ao salário mínimo, que tem jornada completa. Acreditando que vão conseguir essas vagas, muitas vezes, os adolescentes e responsáveis começam a pedir para parentes, como avós e tios, o dinheiro para fazer o curso. E a agência tem alguém com carro que vai na hora, à casa da pessoa, para buscar os R$ 400", disse.

Após o pagamento, as vítimas assinam um documento que simula o contrato com a agência, que convocaria o adolescente para o novo posto de trabalho em até três meses. "Só que esse dia nunca chega. Esse tipo de delito vem aumentando muito, principalmente na região dos bairros Prado e Gutierrez. Sempre abrem uma empresa, fecham um tempo depois e abrem outra para que as pessoas não localizem (os golpistas)", declarou.

Usam nomes de 'grandes empresas'

Alberto, que por pouco não caiu no golpe, revelou que a agência usou nomes de "grandes empresas" para atrair o filho. "Fui com ele à entrevista,. Não informam quem indicou, só falam que é um encaminhamento. Pedem até para escolher o horário de trabalho, dizem que vai atuar na parte administrativa e que o emprego é perto de casa. Eles convencem também o pai", acrescentou. O homem só desconfiou por conta do alto valor cobrado pela realização do curso. Mesmo assim, disse que teve trabalho para convencer o adolescente de que era um golpe.

"O problema é que essa entrevista ilude o garoto. Como pai, fico revoltado, porque ele quer trabalhar. Convencer ele foi difícil, porque falaram que já começaria na semana seguinte. Perguntaram como é o temperamento dele, horário de estudo, uma conversa totalmente normal", afirmou. Após esse episódio, Alberto conseguiu descobrir o CNPJ da empresa e viu que uma mesma pessoa possuía várias outras agências com nomes diferentes.

Estelionato contra jovens de 12 a 17 anos cresce em Minas

Dados do Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais mostram um aumento de golpes de estelionato contra jovens com idades entre 12 e 17 anos. Entre janeiro e julho deste ano, foram 344 vítimas no Estado, contra 261 no mesmo período de 2020, o que representa alta de 30%. No consolidado do ano passado, foram 475 casos, contra 331 em 2019 – crescimento de 43%. 

O delegado Wesley Geraldo Campos disse que os principais estelionatos contra essa faixa etária investigados são justamente os golpes do falso emprego. "É o crime de estelionato que envolve adolescentes com maior frequência relatado na delegacia", pontuou. Campos ressaltou a importância das vítimas procurarem a Polícia Civil para que as investigações sejam realizadas e os criminosos detidos.

"Pedimos que toda pessoa que tenha sido vítima desse golpe compareça a uma delegacia e faça a representação. Tivemos uma alteração recente no Código Penal, e o crime de estelionato depende da representação da vítima, é até uma condição para iniciar a investigação na delegacia. Pode fazer o boletim de ocorrência junto à Polícia Militar, mas tem que comparecer", declarou.

Suspeita de ser proprietária das agências foi indiciada

Uma mulher que atuava em uma das agências chegou a ser indiciada pela Polícia Civil recentemente. De acordo com o delegado, ela disse que era contratada para atuar como gerente e não tinha participação na sociedade. "Acreditamos que ela seja a verdadeira autora desse golpe. Chamamos a pessoa registrada como proprietária, mas é um laranja dessa suspeita. Não sabia de nada da empresa", disse. 

Nesta semana, a corporação chegou a fechar uma falsa agência de emprego que oferecia vagas para jovens adultos, com idades entre 18 e 25 anos. Na ocasião, 21 pessoas, entre funcionários e líderes da organização criminosa, foram presos. O delegado Wesley Campos não descarta que o grupo seja o mesmo responsável pelas agências que praticaram golpes contra os adolescentes. 

"Toda vez que oferecerem a vaga de emprego, se precisar pagar alguma coisa para conseguir a vaga, não efetue nenhum tipo de pagamento. Com certeza, essa vaga nunca vai existir. E, quando procurar a agência, já estará fechada", finalizou.

*Nome fictício