Santa Luzia

Incêndio destrói mais de 800 documentos de delegacia

Armários teriam sido arrombados antes do fogo, o que reforça suspeita de ato criminoso

Por Gustavo Lameira /Jhonny Cazetta / Luciene Câmara
Publicado em 02 de novembro de 2015 | 08:44
 
 
Causas do incêndio ainda não foram esclarecidas Divulgação/PM

Em um Estado democrático de direito, a produção e a preservação de provas em uma investigação são obrigações fundamentais para a garantia da justiça. Porém, o que se vê em Minas Gerais é um conjunto de fragilidades: faltam estrutura e pessoal para elucidar crimes e também cuidado na manutenção de inquéritos. Na madrugada desta segunda, mais de 800 procedimentos em papel, como resultados de perícia, depoimentos de testemunhas, entre outros, foram queimados pelo fogo que destruiu a 2ª Delegacia de Polícia Civil de Santa Luzia, na região metropolitana da capital. A principal suspeita é que o incêndio tenha sido criminoso para eliminar provas.

Para especialistas, se a hipótese se confirmar, trata-se de um “crime de oportunidade”, ou seja, motivado pela baixa vigilância no local – a delegacia, que não faz plantões à noite ou em fins de semana e feriados, tinha apenas um porteiro nesta segunda, que atuava como vigia.

Das pilhas de documentos queimados, apenas uma parte (ainda não estimada) está digitalizada, o que também evidencia falhas nos sistemas de gestão e de modernização da Polícia Civil. “A perda é irrecuperável em muitos casos e prolongará ainda mais as investigações, que já são morosas”, avaliou Jorge Tassi, especialista em segurança pública.

Incêndio. O fogo na unidade começou por volta de 1h, mas o porteiro que estava de plantão só teria acionado a polícia por volta das 5h. A delegacia funciona nas dependências de um ginásio poliesportivo da prefeitura da cidade. Além dos documentos, foram queimados computadores, telefones e armas. Um galão plástico usado para o transporte de combustível foi encontrado no local.

Há indícios de que criminosos teriam arrombado armários antes de queimar a delegacia. “A perícia indicou que eles abriram armários lotados de armas de grosso calibre. Só que a princípio não levaram nenhuma, o que nos leva a deduzir que eles estavam atrás de outra coisa. Algo para subtrair e atrapalhar as investigações”, disse um investigador, sob anonimato. 

“As suspeitas são várias, mas quem fez isso tinha a intenção de sumir com algum inquérito policial. Qual inquérito seria esse? Ainda não sabemos, mas vamos descobrir”, afirmou o delegado regional de Santa Luzia, Christian Nunes de Andrade. A unidade tem atualmente oito policiais no quadro efetivo e é considerada uma delegacia de área, que apura todo tipo de crime – exceto homicídios, violência contra a mulher e trânsito, que são atendidos nas delegacias especializadas.

Entre os inquéritos instaurados no local, estavam irregularidades da Prefeitura de Santa Luzia. “Tudo isso foi uma afronta não somente a nós, policiais, mas também a toda sociedade”, disse o investigador.

Policiais também cobram mais segurança e estrutura para agir

Não é só a população que fica prejudicada com a fragilidade e falta de estrutura da Polícia Civil. Conforme O TEMPO mostrou em junho deste ano, agentes da corporação também pediam providências para conseguir executar um bom trabalho e com segurança.

“A Polícia Civil é uma das instituições mais sucateadas de Minas”, disse, à época, o presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil de Minas (Sindpol-MG), Denilson Martins.

Para mostrar a situação, O TEMPO percorreu delegacias de três municípios da região metropolitana. Nas que faziam plantões, o acúmulo de presos era grave, bem como nas duas Centrais de Flagrantes da capital. Sem segurança adequada nem estrutura de alimentação e de higiene para os presos, havia riscos de fugas.

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Porteiro
. O que chamou a atenção da polícia é que o porteiro que fazia a vigilância das dependências da área da delegacia não acionou a Polícia Militar nem os Bombeiros de imediato. “Ele está sendo interrogado”, afirmou o delegado responsável pela 2ª Delegacia de Polícia Civil de Santa Luzia, Daniel Guimarães Rocha.

Perícia. A Polícia Civil informou, em nota, que uma perícia foi feita nesta segunda para apurar as causas do fogo.

Armas. O delegado regional de Santa Luzia, Christian Nunes de Andrade, disse que, a princípio, nenhuma arma foi levada.

Mudança. Andrade está em contato com autoridades locais a fim de conseguir outro imóvel para funcionamento provisório da delegacia. A expectativa é usar um prédio desativado que fica ao lado da unidade destruída. O funcionamento só deve recomeçar na próxima segunda-feira.

Estrutura. A Polícia Civil não comentou as críticas de especialistas sobre a falta de segurança e de estrutura.

Outro incêndio.  Nos dias 25 e 26 de setembro, um incêndio atingiu a sede da Prefeitura de Santa Luzia. O fogo prejudicou o atendimento ao público. Na época, levantou-se que as chamas teriam sido provocadas por um maçarico.

Recuperar materiais pode ser impossível

Se já é difícil chegar à autoria dos crimes quando os inquéritos estão em andamento, mais difícil ainda é quando eles são destruídos. Para estudiosos na área, mais grave do que o incêndio na 2ª Delegacia de Polícia de Santa Luzia é a constatação da ineficiência na investigação e na resolução dos crimes. “Algumas provas, como as testemunhais, você consegue reproduzi-las. Mas provas técnicas, como tiro com arma que já foi destruída, não tem como refazer”, explicou Jorge Tassi, especialista em segurança pública.

O delegado responsável pela 2ª Delegacia de Polícia Civil de Santa Luzia, Daniel Rocha, ponderou que os laudos podem ser recuperados em outros sistemas, como do Judiciário. Segundo ele, de 2012 para cá, todos os inquéritos são digitalizados na delegacia, mas os antigos, em andamento ou arquivados, permanecem só no papel.

“No Brasil, onde o índice de elucidação de crimes contra o patrimônio é de cerca de 2%, e de crimes contra a vida, de 11% a 15%, que diferença faz recuperar esse material?”, questionou o sociólogo Robson Sávio.

Atualizada às 22h00