Corregedorias

Independência é necessária

Especialistas defendem órgão de investigação autônomo para evitar corporativismo de polícias

Seg, 10/04/17 - 03h00
Especialista destaca estresse como motivador para transgressões | Foto: Alex de Jesus – 19.3.2013

A investigação de transgressões e crimes cometidos por policiais militares e civis é realizada pelas corregedorias das próprias corporações. Especialistas em segurança pública ouvidos pela reportagem, no entanto, acreditam que as apurações precisariam ser conduzidas por órgãos autônomos para garantir a transparência do processo e evitar o corporativismo.

“As corregedorias deveriam responder diretamente ao secretário (de Segurança) e ter uma linha de comando fora da polícia”, considera o integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Guaracy Mingard.

No entendimento do especialista, o órgão independente teria dois braços: um para cada polícia. Subcorregedores ficariam responsáveis por cada instituição e responderiam a um corregedor-chefe. “Os subcorregedores poderiam ser coronéis ou delegados no fim da carreira, já o corregedor-chefe não deveria pertencer a nenhuma corporação e responderia ao secretário”, explica Mingard. Ele defende ainda que os corregedores só fiquem no cargo por, no máximo, dois anos.

O sociólogo Robson Sávio, também membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, corrobora a análise de que os órgãos de correção das polícias deveriam estar ligados diretamente ao governo do Estado. Sávio acrescenta que é essencial a participação de cidadãos nessa dinâmica. “Tem que ter a participação da sociedade, por meio de conselhos, justamente para garantir a transparência. Senão, com o tempo, acaba sendo colonizado pelas próprias instituições do Estado”, argumenta.

Para o sociólogo, a Ouvidoria de Polícia de Minas deveria ter uma equipe especializada para investigar as denúncias recebidas da população em relação a transgressões cometidas por policias. Atualmente, o órgão recebe as reclamações, repassa-as para as corregedorias e acompanha o processo de apuração. A legislação estadual não permite que a ouvidoria tenha poder de investigação. A existência de ouvidorias independentes, segundo Sávio, já é realidade em países da Europa desde a década de 60.

Outro lado. O corregedor da Polícia Militar (PM), coronel Márvio Cristo Moreira, destaca que a corregedoria realiza investigações independentemente da patente do militar. “A melhor resposta é a produtividade (da corregedoria) e o tanto de casos que investigamos”, diz. Os funcionários do órgão não possuem nenhum registro de transgressões ou delitos. O coronel ressalta ainda que o setor é fiscalizado pelo Ministério Público e está ligado à ouvidoria.

Sobre a necessidade de existirem corregedorias independentes, a Polícia Civil informou que “respeita a opinião de todos e não emite comentários”.


Saiba mais

Causa. Especialista em segurança pública e militar reformado, Jorge Tassi considera que o estresse é um dos fatores que levam policiais militares a cometer alguma transgressão. A profissão exige uma prontidão durante todo o turno, além de uma habilidade em lidar com emoções. “É difícil passar um dia sem ver um cadáver e pessoas em situação de penúria. O policial lida com as ‘sujeiras’ da sociedade, e não é fácil controlar sentimentos como raiva e pena”, pontua.

Favorecimento. Sociólogo e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio considera que as corporações tendem a punir agentes que compõem a base das instituições. Ambas as corregedorias das corporações informaram que o processo de investigação não faz distinção com relação ao cargo ocupado pelo suspeito.

População. Entre 2015 e 2016, a Ouvidoria de Polícia de Minas Gerais recebeu 9.579 reclamações da população contra policiais civis e militares. Nos dois anos, a maioria das queixas foi motivada pela má qualidade na prestação de serviços.


Militares

PM fará monitoramento para evitar crime

A corregedoria da Polícia Militar (PM) vai implementar, daqui a cerca de 30 dias, um sistema de atenção prévia com intuito de identificar condutas inapropriadas e evitar o agravamento desse tipo de situação.

De acordo com o corregedor da corporação, coronel Márvio Cristo Moreira, a cada 24 horas uma varredura será realizada nos sistemas da polícia para identificar comportamentos inapropriados de policiais militares, entre eles embriaguez e envolvimento em violência doméstica. O sistema de boletins de ocorrência será um dos alvos da análise.

“O comandante de cada companhia vai receber um comunicado pela intranet informando que o militar se envolveu em determinada situação e vai procurar saber se ele está passando por algum problema”, explica Moreira. A intenção é dar apoio ao militar que passa por dificuldades e impedir que as contravenções evoluam para questões mais graves. (AD)


Ouvidoria

Lesão corporal e serviço ruim no topo da lista

Nos primeiros dois meses deste ano, a Ouvidoria de Polícia de Minas Gerais recebeu 780 denúncias contra as polícias Militar e Civil feitas pela população. Em relação à PM, as reclamações por lesão corporal concentram o maior número de manifestações, com 57 das 480 manifestações. Quase metade das queixas contra a Polícia Civil está relacionada à má prestação de serviços – foram 144 de 300.

Em 2016, a ouvidoria registrou 5.103 queixas. Das 3.057 manifestações contra a PM, 339 foram por lesão corporal. Foram 2.046 denúncias contra a Polícia Civil, e 832 delas foram motivadas pela má prestação de serviços.

A ouvidoria recebe reclamações por meio do site www.ouvidoriageral.mg.gov.br e do telefone 162. As denúncias são encaminhadas para as corregedorias das corporações. O ouvidor de polícia Paulo Alkmim informou que acompanha as investigações e dá retorno para o cidadão. “Quando a pessoa faz uma denúncia, ela ganha uma senha para acompanhar”, explica. (AD)

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