Análise

‘Invisibilidade’ dificulta ajuda 

Governos reconhecem que é preciso ampliar estudos para desenvolver programas mais efetivos

Por Luciene Câmara
Publicado em 01 de dezembro de 2014 | 04:00
 
 
Rômulo da Silva, ex-dependente, foi preso em 2008 com crack e fuzil Alex de Jesus/O Tempo

Quantos são e quem são os consumidores de crack no Brasil? As respostas para essas perguntas ainda são incompletas. Em 2013, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgaram uma pesquisa inédita no país que trouxe as primeiras informações científicas sobre o consumo da droga. Estima-se que haja uma população de 370 mil usuários de crack nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Belo Horizonte fica na média das cidades analisadas, com 0,81% de seus habitantes que fumam a pedra regularmente, o que corresponde a cerca de 20,1 mil, levando em conta a população deste ano do IBGE.


No entanto, o estudo não avalia a situação fora das capitais, embora seja notório que o crack vem tirando o sossego de pequenas cidades do interior nos últimos anos. Mesmo em Belo Horizonte, não há um cadastro único de usuários feito por assistentes sociais e agentes de saúde, que permita aos governos traçar ações para atender esse público em sua totalidade ou pelo menos o mais próximo da realidade. “O Brasil ainda não tem a cultura de estudar o fenômeno em profundidade, que nos permita apontar o caminho com assertividade. Vivemos de discutir o óbvio”, diz o subsecretário de Políticas sobre Drogas de Minas Gerais, Cloves Benevides.

Estudos. O próprio programa Recomeço, criado pela Prefeitura de Belo Horizonte para prevenção, tratamento e reinserção social de usuários de drogas e de seus familiares, está na dependência de estudos para ser ampliado. Segundo o gerente da ação, Júlio Meira, há uma conversa do Executivo com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para a realização do projeto Conhecer e Cuidar, que fará um diagnóstico da população de dependentes de álcool e outras drogas, além de mapear a rede de atendimento em saúde e assistência.

“O programa Crack, É Possível Vencer (do Ministério da Saúde) já nos perguntou se queremos fazer revisão de ações para incluir ou tirar alguma coisa. Conversamos com eles que estamos para lançar a pesquisa e, quando tivermos o retrato do público e da rede, faremos a revisão. Agora, se eu fizer revisão, é sem fundamentação”, argumenta Meira. A meta é que o estudo tenha início nos primeiros meses de 2015 e fique pronto até o fim do ano.

O governo de Minas também pretende divulgar neste mês um levantamento sobre o perfil dos usuários que chegaram à rede de atendimento. Já quem não buscou ou recebeu ajuda, continuará “invisível”.

Em âmbito nacional, a Senad, que é ligada ao Ministério da Justiça, já contratou a Fiocruz para uma segunda edição da “Pesquisa Nacional sobre Uso de Crack”, que desta vez vai traçar o número de dependentes no Brasil, o processo de evolução do consumo nas capitais, comparando com os dados de 2013, e como está o comportamento dos usuários. O levantamento custará R$ 8 milhões e deve ficar pronto no início de 2016.

Sobre os programas
Em 2010, o governo federal lançou o Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack e no ano seguinte veio o programa Crack, É Possível Vencer, com previsão de R$ 4 bilhões de investimentos no Brasil até este ano, já tendo sido investidos R$ 3,6 bilhões. Para aderir, os Estados tinham que apresentar projetos nas áreas de saúde, segurança e assistência social. Em Belo Horizonte, a prefeitura desenvolveu o projeto Recomeço, que tem objetivos focados nas mesmas áreas.

Cadastro
Os usuários de drogas constituem uma população dita de difícil acesso e/ou “oculta”, segundo a Fiocruz, uma vez que não existe um cadastro dessas pessoas para se fazer uma contagem. Por isso, a pesquisa feita no ano passado usou um método indireto, em que são feitas visitas domiciliares aleatórias de populações já conhecidas por meio de outros cadastros e nas quais os pesquisadores perguntam, por exemplo, se há uso de crack.

Debate
A “Atenção integral e integrada para os usuários de drogas” será tema do II Ciclo de Estudos em Crack e outras Drogas, realizado pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na próxima quinta-feira, das 7h às 18h30. O evento reunirá pesquisadores nacionais e internacionais no auditório Maria Sinno da unidade (avenida Alfredo Balena, 190, no Santa Efigênia, na região Leste).