BH

Lacerda sai sem deixar solução definitiva para danos da chuva

Prefeito enfrentou problemas em seu primeiro dia de mandato e, agora, capital está em situação de emergência

Por Gláucio Castro
Publicado em 18 de dezembro de 2016 | 03:00
 
 
Desde o início. Em janeiro de 2009, BH sofreu com inundações; sem solução em oito anos de governo Lacerda, fatos se repetiram neste ano Foto: RAQUEL VILAÇA / divulgação – 5.2.2009

Poucos minutos após tomar posse como prefeito de Belo Horizonte, no dia 1º de janeiro de 2009, Marcio Lacerda (PSB) literalmente colocou os pés na lama. Em seu primeiro ato como novo gestor da capital mineira, ele foi visitar moradores da avenida Tereza Cristina, atingida na noite anterior por um temporal que fez transbordar o ribeirão Arrudas, provocando mortes, prejuízos e um rastro de destruição.

Oito anos depois, o prefeito se despede sem ter conseguido solucionar aquele que representou o primeiro desafio de sua administração e deixa Belo Horizonte com situação de emergência decretada. As chuvas dos últimos dias voltaram a matar, inundaram conhecidos pontos e mostraram que a cidade, que completou 119 anos na última segunda, ainda está bem longe de ter condições de enfrentar essa situação.

Desde a primeira grande enchente registrada em 1923, quando o rio Arrudas transbordou, o problema vem trocando de endereço. Neste ano, a principal atingida, por enquanto, é a avenida Vilarinho, em Venda Nova, onde três grandes inundações aconteceram nos últimos dias. Dezenas de carros foram destruídos, e muitos comerciantes ainda contabilizam os prejuízos.

O drama em Venda Nova nesta reta final de 2016 não é novo e já foi vivido por moradores de outras partes da cidade, localizadas a vários quilômetros dali. Avenidas Francisco Sá, no Prado; Mem de Sá, no Santa Efigênia; Prudente de Morais, no Cidade Jardim; Bernardo Vasconcelos, no Renascença; Cristiano Machado, no Floresta e no Dona Clara; e Antônio Carlos, na Pampulha, também já passaram pelo mesmo pesadelo.

“Recebemos a gestão em 2009 com 82 pontos de alagamento na cidade, a maioria deles fruto da ocupação desordenada. Conseguimos fazer obras importantes. Concluímos cerca de 20 obras, nove estão em andamento, e 19, em projeto, em um investimento total de cerca de R$ 2,5 bilhões”, justificou Marcio Lacerda por meio de sua assessoria de imprensa. “É uma questão que precisa do envolvimento de toda a cidade, de toda a população. Somente neste ano, a SLU já recolheu quase 850 caminhões de lixo jogados nos córregos da cidade”, completou.

Alguns especialistas ouvidos por O TEMPO, no entanto, analisaram as obras apresentadas pela Sudecap neste período e não viram muita eficácia, já que muitas nasceram defasadas. A maioria deles aponta a cobertura de rios que cortam a cidade, como vem sendo feito desde 1925, quando Flávio Fernandes dos Santos era prefeito da capital, como uma das principais causadoras dessas inundações.

A poucos dias do fim do seu governo, resta a Lacerda transferir a “bomba” para o sucessor, Alexandre Kalil, que assumirá no dia 1º de janeiro. A reportagem tentou falar com o prefeito eleito, mas a assessoria não havia dado retorno até o fechamento desta edição.


Depoimentos

“As soluções são as mesmas há quase cem anos. Todas as medidas para a mitigação dos transbordamentos e a melhoria da precária drenagem urbana, nos últimos anos, não tiveram solução satisfatória. Isso porque o tal problema, causado por fenômenos naturais, se dá exatamente pelo emprego das mesmas técnicas que já se mostraram falhas desde o ano de 1930, na primeira grande chuva após a conclusão dos canais artificiais e a urbanização das várzeas. E o que se vê por parte do poder público é a persistência em um erro conhecido por todos, mas altamente lucrativo para poucos. A atual administração não fez nada para solucioná-los, vetando ainda as propostas de reabilitação dos cursos d’água, medida crucial para que se possam amenizar os transbordamentos.”
Alessandro Borsagli
Geógrafo

“Drenagem urbana é como árvore, cujo tronco é o rio. Desde a foz, no rio das Velhas, canalizações que aí chegam são galhos que crescem até os limites da bacia, levando cada vez mais água. Árvore que cresce, engrossa o tronco para suportar os galhos, mas o do Arrudas chegou ao limite. BH constrói piscinões, como o do Bonsucesso, para organizar a fila da descarga e jogar água fora. Melhor seria construir, em prédios e casas, uma caixa para capturar a água do telhado em vez de um piscinão por microbacia, que ocupa espaço e cria focos de poluição. Da crista da serra até o Arrudas, passa água tão velozmente que deixa ocioso, morrendo de sede, o subsolo, reservatório que a natureza destinou à chuva. BH trabalha, mas precisa adotar soluções complementares que sua geologia proporciona.”
Edézio Teixeira de Carvalho
Engenheiro geólogo

“Quando projetos são executados de forma adequada, a possibilidade de catástrofes é bem menor. Na Holanda, há um problema grave relacionado com a cidade localizada abaixo do nível do mar, muito pior do que todas as enchentes brasileiras, mas eles resolveram enfrentar esse desafio há centenas de anos, passando o problema para as mãos de engenheiros competentes, e a solução, até hoje, está funcionando. Nossa capital apresenta uma topografia muito irregular, montanhosa e com muitos vales. ‘Os técnicos’ de gabinete e políticos incompetentes resolveram criar grandes avenidas exatamente nos pontos mais baixos da cidade (nos vales). Com as correções nos cursos d’água e com as pavimentações dessas avenidas, esses locais figuraram como os locais mais perigosos de se transitar em dia de chuva.”
João Batista Santos de Assis
Engenheiro civil


Declarações

Veja o que Marcio Lacerda disse durante seus mandatos sobre os problemas da chuva em Belo Horizonte.

“Nós devíamos ter sido um pouco mais babás do cidadão para que eles não corressem riscos (...). É a vida. Os riscos novos aparecem. E nós temos que atuar em função deles.”
Ao visitar a avenida Heráclito Mourão de Miranda, onde um homem morreu ao ter o carro arrastado pela correnteza.

“Foi uma expressão infeliz, as pessoas se sentiram ofendidas, e peço desculpas, não foi uma expressão politicamente correta.”
Ao comentar a declaração anterior.

“De fato nós estamos atrasados em relação a nosso cronograma. Problemas de subsolo, de discussão de financiamento com o governo federal. Podemos ter problemas, sim. Temos que trabalhar para, apesar dos problemas, não termos perdas de vidas.”
28/7/2015: ao comentar os constantes problemas com as chuvas em BH

“As próximas quatro ou cinco administrações terão que continuar investindo nessa questão de prevenção de chuva (...). Qualquer rua pode se transformar em um rio, e o sistema de galerias pluviais não dá conta de uma situação anormal.”
13/2/2016: Um dia após uma mulher morrer arrastada no Prado