Expectativa negativa

Moradores doentes, bancos fechados e desamparo: Barão de Cocais vive o caos

Reportagem de O TEMPO encontrou na cidade cenário de desânimo, estresse e medo por possível risco de rompimento de barragem

Qui, 23/05/19 - 18h32

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Barão de Cocais. Com o risco de rompimento da barragem Sul Superior da Vale em Barão de Cocais, na região Central de Minas, o município está mais para "Barão do Caos". Os moradores estão doentes, apavorados com medo de um mar de lama invadir a cidade a qualquer momento. A única agência dos Correios está fechada desde segunda-feira. Agora para complicar, os bancos também resolveram fechar as portas. No comércio, que já estava ruim, as vendas despencaram.

A cidade já registrou 6.000 mil atendimentos a mais no setor de saúde, nos últimos três meses, em relação ao mesmo período do ano passado. Desde que começou a conviver com o medo de ser invadida pela lama, como aconteceu em Brumadinho, o hospital do município vive lotado.

De sexta-feira até esta quinta-feira (23), três pessoas sofreram infarto, segundo o prefeito Décio Geraldo dos Santos (PV). "Nós temos um hospital 100% municipal, e estão acontecendo casos atípicos. Pessoas o tempo todo com depressão, angustiadas, com estresse. Aumentou muito a nossa demanda na saúde", lamenta ele, que reclama de não ter recebido nenhuma ajuda da Vale. "A mineradora se comprometeu a nos ajudar, mas ainda não efetuou essa ajuda", diz.

Segundo o prefeito, a situação já estava ruim com a crise financeira que o município enfrenta, desde o ano passado, por causa das retenções do governo do Estado, e piorou ainda mais. "O Estado deve mais de R$ 6 milhões ao município", denuncia. 

Cidade doente
De acordo com o prefeito, Barão de Cocais ficou doente por causa da ameaça de rompimento da barragem. "Muita gente com hipertensão e procurando atendimento médico e psicológico. Nós não tivemos mortes na lama, graças a Deus. Infelizmente, nossos irmãos de Brumadinho não tiveram tempo de fazer o que a gente está fazendo aqui. Graças a Deus, nós estamos nos preparando. No entanto, estamos tendo mortes de várias outras maneiras: depressão, estresse, tentativa de suicídio", lamentou. "Se formos comparar os atendimentos feitos no ano passado com esse ano, a partir de 8 de fevereiro, já fizemos 6.000. Estou lutando sozinho sem o apoio do governo", reclama. 

Comércio parado
Para complicar a situação, as agências bancarias da cidade resolveram parar de funcionar. A única agência dos Correios já estava fechada desde segunda-feira. O aviso na porta fala que é por causa do risco de rompimento da barragem e orienta os moradores a procurar a agência mais próxima, na cidade de Santa Bárbara (distante cerca de 15 km do município). 

O hoteleiro Luigi Carlos Barbato, de 50 anos, foi ao Banco do Brasil na tarde desta quinta-feira e encontrou as portas fechadas. "Transtorno imenso. Agora, vou ter que ir a Santa Bárbara fazer um depósito bancário. A cidade parou. Está uma confusão. Fecha Correios, fecha banco, fecha tudo", desabafou.

O comércio está aberto, mas as vendas despencaram, segundo os lojistas. A situação está ruim até para os vendedores ambulantes, reclama Rafael Rodrigues da Silveira, de 29 anos. "Quem precisa receber pagamento, pagar contas, tem que ir a Santa Bárbara. O comércio caiu muito e o movimento nas ruas também", reclama o vendedor . "Os bancos estão fechados, tudo parado. Como as pessoas vão receber pagamento? Como vão fazer compras? Como?", questiona o ambulante. "As vendas estão caindo, mas a gente precisa vender. As pessoas estão com medo e nem compram mais. Só querem comprar alimento, estocar alimento. As pessoas não sabem o que vai acontecer daqui para a frente", disse 

Fora de controle 
O prefeito Décio dos Santos disse que a cidade está sendo impactada de várias formas. As pessoas estão com medo, apavoradas e com os nervos à flor da pele, segundo ele.

"Muiras brigas conjugais, até mesmo de casais que tiveram que deixar as suas casas. Hoje, muitos ocupam um quarto de hotel com os filhos. Enfim, existem vários acontecimentos nesse sentido", observa o prefeito. 

Em relação ao fechamento dos bancos, Décio disse considerar uma falta de sensibilidade e de respeito com a população. "Afinal de contas, não existe uma orientação de Defesa Civil Estadual para fazer isso. Foi demandado de Brasília. Até os gerentes das agências queriam estar funcionando, mas veio a ordem de cima, que não levou em consideração as pessoas", reagiu o prefeito. 

"Hoje, o cidadão quer sacar um dinheiro e tem que ir à cidade vizinha. Imagina isso? O comércio já está tão afetado, ainda mais agora, sem banco funcionando?", reclamou. Segundo ele, até mesmo agência bancária fora da área de risco de inundação fechou as portas.

Dam break
De acordo com o prefeito de Barão de Cocais, a Defesa Civil Estadual não está seguindo as orientações do novo relatório de análise de risco divulgado. "Ele foi feito levando em consideração que, em caso de rompimento da barragem, haveria vazamento de 100% dos rejeitos. Só que isso não acontece. A mineradora é categórica ao afirmar isso. Não aconteceu em lugar nenhum do mundo. Esse estudo foi feito para atender as exigências do Ministério Público, mas não é algo que acontece", disse o prefeito.

O estudo anterior, segundo ele, leva em consideração o vazamento de 76% dos rejeitos de minério. "Esse novo dam break não muda muito a situação dentro do município. O primeiro estudo foi feito com bases técnicas melhores", afirmou Décio.

O que a Vale diz

Procurada pela reportagem,  a Vale informou que desde o dia 8 de fevereiro, após a evacuação dos moradores da Zona de Autossalvamento (ZAS) da barragem Sul Superior, na mina Gongo Soco, em Barão de Cocais (MG), foram realizados cerca de 1.400 atendimentos médicos, uma média de aproximadamente 14 atendimentos por dia. Nesse período foram distribuídos em torno de 1.400 medicamentos. No mesmo intervalo, foram realizados aproximadamente 5.700 atendimentos psicossociais, média aproximada de 59 por dia.

A Vale mobilizou sete médicos, sete enfermeiros, oito técnicos de enfermagem, quinze psicólogos, três assistentes sociais, entre outros profissionais destacados para o atendimento aos moradores evacuados, além de sete ambulâncias.

"A Vale também esta avaliando formas de atender um pedido da prefeitura de Barão de Cocais de reforço no atendimento de saúde do município.

A empresa também disponibiliza Ponto de Atendimento presencial para as pessoas da ZAS e ZSS (Wilson Alvaregna, 535, no Bairro Viúva). O funcionamento e’ de segunda a sexta-feira, das 7h30 `as 19h, e no sábado, de 7h30 `as 16h. Há ainda um canal de atendimento pelo telefone 0800-0310831"  informou a mineradora,  por meio de nota.

"A Vale reitera que, no momento, está priorizando a segurança e a qualidade de vida da comunidade", acrescentou.

Atualizada às 22h40

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